A Religião da Humanidade – IV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CIII

A Religião da Humanidade – IV

É de facto uma “religião” com alguma implantação em países, como o Brasil, por exemplo. Um culto, uma iconografia própria, templos, alguma originalidade, mas sem resolver o drama da condição humana ou a salvação. Apesar de ter uma construção dogmática, também, esta radica e confunde-se com a Filosofia Positivista.

Talvez por isso possamos designar esse aparelho dogmático como “dogma positivista”. Tal como noutras religiões, o Dogma é a sistematização do Culto. Este, para os positivistas, possui uma característica profundamente “racional”, pois defendem que se baseia na filosofia positiva. Desta forma, os positivistas defendem que é no dogma a que se acha a concepção geral do mundo e do homem, pelo conhecimento das leis naturais imutáveis. Mas não há nem causas, nem princípios, nem fins. Nem é necessário explicar-se o “porquê”, apenas se deve constatar o “como”, a forma ou o processo como as coisas se passam, desenrolam e caminham.

Articulado ao dogma, ou fazendo parte dele, temos as ciências, na perspectiva positivista. O domínio das ciências compreende as três filosofias que compõem o dogma: a Filosofia Primeira, a Filosofia Segunda e a Filosofia Terceira. A Filosofia Primeira é formada pelo conjunto das quinze leis universais, sob diversas formas, a todas as classes de fenómenos. Ou sejam, as leis universais da Fatalidade Suprema ou Destino.

A Filosofia Segunda é constituída pelas leis especiais relativas às sete ciências que estabelecem o conhecimento do mundo e da Humanidade, que são: a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia, a Sociologia e a Moral.

A Filosofia Terceira, além da sua constituição geral da Política, abrange especialmente as regras práticas da Indústria.

O positivismo, como a Religião da Humanidade, define-se através do que caracteriza o “espírito positivo”, ou seja, por aquilo que é “real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático”.

A LEI DOS TRÊS ESTADOS

“Toda a concepção humana passa por três estados: teológico, metafísico e positivo, numa velocidade proporcional à generalidade dos fenómenos correspondentes”, reza assim a formulação desta lei. Trata-se, para os positivistas, de uma lei que plasma a ideia de que, apesar de ter sido uma realidade na história, pode acontecer e aplicar-se no presente devido à sua continuidade. A História da Humanidade divide-se assim em três idades: Fictícia, Abstracta e Positiva, a que se conjugam os estados.

O Estado Teológico ou Fictício predominou na Antiguidade. Nesse período, a inteligência explica fenómenos materiais e sobrenaturais. É um estado provisório, segundo os positivistas. Trata-se de uma situação mental em que o homem não concebe nada além dos corpos que o rodeiam e aos quais atribui qualidades humanas, ou o homem diante do espectáculo da natureza. Bastavam as explicações dos fenómenos. Este estado caracteriza-se pela acção e pela vontade dos deuses. É, pois, uma forma de crença no Absoluto, em que o homem usa a imaginação e não a razão.

O Estado Metafísico ou Abstracto é um estado transitório, tendo tido o apogeu na Idade Média. É um aperfeiçoamento em relação ao estado anterior. Mais do que procurar as divindades sobrenaturais, o homem centra nos fenómenos naturais a entidade metafísica, as causas, as substâncias, faculdades, etc. Mas ainda predomina a imaginação sobre a razão.

No Estado Positivo ou Definitivo, dá-se a oposição dos dois estados anteriores. Há aqui uma renúncia da explicação tanto imanente como transcendente. Apenas lida com factos conhecidos pela observação e pela experiência, o empirismo. Renuncia também ao conhecimento do Abstracto pelo Relativo, que é o único objecto acessível à razão. Este estado apareceu na Época Moderna, como uma resposta definitiva ao modelo de estado ideal. A sua principal característica é a de substituir o estudo do absoluto pelo relativo. “Tudo é relativo, eis o único princípio absoluto”, assim defendem os positivistas. O relativismo também está presente nesta religião.

O positivismo é uma forma de empirismo, no sentido de não admitir mais que uma só fonte de conhecimento: a experiência, melhor dito, a experiência sensível externa. A consciência não existe como faculdade espiritual: é orgânica e, portanto, não pode reflectir sobre si mesma. Por fim, o conhecimento humano não vai para lá do plano dos paradigmas, dos resultados obtidos. Assim, a Filosofia Positiva é a verdadeira e a única Filosofia do Espírito. O que caracteriza em si mesmo o conhecimento científico é o ter por objecto exclusivamente os fenómenos e as leis.

A vida, para um positivista, resume-se a resignação e actividade. “A submissão é a base do aperfeiçoamento, primeiro físico, em seguida intelectual”, e sobretudo, por fim, moral. Este progresso moral da Religião da Humanidade é regido pelo regime religioso. Este consiste na acção humana sobre cada um e compete principalmente à mulher. Por seu turno, a política dirige o progresso material, que consiste na acção humana sobre o mundo, competindo principalmente ao homem.

O guia do regime positivista é o “sacerdote”. As suas atribuições são a de conselheiro, consagrado e regulador, tendo que dirigir o homem pelo caminho do bem e fazer triunfar sempre a moral em todas as relações humanas. O regime positivista divide-se em duas partes. A primeira é o privado, que pode ser pessoal – quando é instituído pela subordinação do egoísmo ao altruísmo (“Viver para outrem”) –, ou doméstico, quando é feito pela constituição altruística do casamento, cujo verdadeiro destino é o aperfeiçoamento mútuo dos dois sexos. Para aprimorar a família, recomendam os positivistas: viuvez eterna e voluntária; educação dos filhos pela mãe; sustento da mulher (e família) pelo homem; supressão de dotes e de heranças femininas; liberdade de testar (direcção e administração) e adoptar. A segunda parte é o regime público, dividido em cívico – repousa sobre a “A dedicação dos fortes pelos fracos e a veneração dos fracos pelos fortes” – e universal, este fundamentando-se na busca da construção de civilização pacífica e industrial, em que as relações internacionais inspirar-se-ão na mais fraternal colaboração, em vez da violência, da desconfiança, ou até da competição.

Concluindo, é uma religião que visa a construção de uma sociedade fundamentada nas relações altruísticas, que se devem desenvolver e aperfeiçoar. Com o intuito de um aperfeiçoamento interior da natureza humana, tanto moral como intelectual, o positivismo busca essencialmente estabelecer influências na sociedade. Porque é a partir da existência social que despertam os impulsos das generosidades, referem os positivistas. Assim é a utopia positivista e a sua Religião da Humanidade.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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