CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLII

O Pentecostalismo – XIV

Temos abordado a deserção de cristãos para as igrejas pentecostais, em particular na América Latina, mas também em África. Um dos aspectos mais curiosos prende-se com o facto de que se tem assistido a uma conversão muito maior de homens do que de mulheres em certos países latino-americanos. Muitos apontam como razão a luta destes contra os vícios de consumos prejudiciais, de abuso de substâncias alucinogénias ou psicotrópicas, alcoolismo ou práticas sociais menos claras. Evitando esses “desvios”, com o apoio dos pastores, acreditam que evitam também os problemas e consequências daquelas práticas.

O Pentecostalismo, com efeito, tem aí uma das suas forças em termos de dinâmica ministerial, ao “oferecer” uma via de saída dessas angústias e dependências. As várias congregações e denominações promovem estilos de vida saudáveis e formas de cura, não apenas a chamada “cura interior”, mas também a autonomia e força de vontade próprias para se superar dependências e vícios. Além disso, são no conjunto das comunidades pentecostais na América Central e do Sul o maior (e mesmo mais eficaz) “centro” de desintoxicação para homens latino-americanos. Muitos testemunhos referem que os homens que se juntam a essas igrejas geralmente param de beber, jogar, consumir drogas (ou fumar tabaco), e até mesmo de serem mulherengos.

O Pentecostalismo da América Latina foi importado dos Estados Unidos, a partir das primeiras décadas do Século XX, quando missionários pentecostais começaram a chegar à América do Sul, onde conheceram logo um grande sucesso. Uma vez mais, esse sucesso deveu-se em boa parte aos “dons do Espírito Santo”, como a cura pela fé, dom que ressoou em muitas pessoas, pois existia já uma forte devoção católica em torno do Espírito Santo, trazida pelos colonos e missionários hispano-portugueses.

RENOVAÇÃO NAS IGREJAS

Os primeiros convertidos foram leprosos amazónicos, que por razões óbvias se começaram a entregar aos “curandeiros” pentecostais. Numa visão mais ampla dos grupos de conversões, muitos dos primeiros convertidos eram pessoas mais pobres, como indígenas e ex-escravos. Durante esse período, nas primeiras duas décadas do Século XX, as elites da América Latina permaneceram católicas, pois a sua fé, o Catolicismo, fazia parte da sua identidade cultural e nacional, além do estatuto e proeminência social tradicional. Mas seria só ao longo da primeira metade do Século XX.

Uma das causas do êxito das conversões prendeu-se com os agentes de missionação. Ao contrário dos missionários católicos desde o Século XVI, anteriores, os pentecostais foram rápidos a formar pastores latino-americanos e a nacionalizar as suas denominações, conferindo-lhes um cunho próprio do país em que se inseriam. Os pentecostais nunca tiveram reticências em formar aquilo que na Igreja Católica se chamava de “clero nativo”, ou “indígena”. Recorde-se que muitos dos fiéis católicos caucasianos (“brancos”) desses países se recusavam a participar em actos sacramentais, confessar ou comungar, quando os sacerdotes eram indígenas ou até mulatos. Nunca houve um paralelismo destes com os missionários e depois os pastores pentecostais, a maior parte deles “nativos” ou mestiços. Por exemplo, as Assembleias de Deus no Brasil (a maior denominação pentecostal do País, das maiores do mundo) estavam já totalmente sob controlo brasileiro em 1930, apenas duas décadas depois da chegada dos primeiros evangélicos americanos. Ou seja, estes formaram os primeiros núcleos brasileiros, a base depois da irradiação do culto no País, que se tornou nacional, independente e sem diferenças entre os fiéis. Além disso, na senda do Protestantismo, as denominações nacionais não dependem de uma autoridade fora dos países, normalmente (apenas enquanto não conquista autonomia), falando assim a mesma língua do líder espiritual, tendo a mesma base cultural e partilhando das mesmas aspirações e anseios, entre outros factores de identidade.

No princípio, havia uma conexão profunda entre as igrejas pentecostais americanas e as da América Latina, mas a situação inverteu-se. Actualmente, o Pentecostalismo está predominantemente ancorado na América Latina e já não tanto nos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, as Assembleias de Deus têm entre dez e doze milhões de membros, enquanto as Assembleias de Deus americanas contam entre dois a três milhões de seguidores. A igreja brasileira é assim a referência pentecostal na actualidade, com os Estados Unidos a serem já vistos mesmo como território de missão. Na verdade, muitas igrejas latino-americanas estão já a enviar missionários para os Estados Unidos, bem como para a Europa, África e até mesmo para a Ásia. Nos Estados Unidos, estes missionários têm tentado atrair fiéis euro-americanos e afro-americanos. Mas têm conhecido pouco sucesso. Em vez desses núcleos, estão a atrair cada vez mais imigrantes latino-americanos que vivem nos Estados Unidos, principalmente os que vieram há menos tempo, oferecendo-lhes possibilidades e apoio na integração no País.

A Igreja Católica Romana na América Latina, por seu turno, com a debandada de fiéis para o Pentecostalismo, assumiu a partir dos anos 60 uma posição no sentido de manter as suas comunidades e atrair novas conversões, não tanto numa resposta, mas antes num “aggiornamento” que o próprio concílio ecuménico Vaticano II (1962-1965) previra e encetara. O Cristianismo carismático tem sido uma das formas de labor pastoral da Igreja Católica. A Renovação Carismática Católica, em moldes doutrinais consequentes e estribados, oferece também uma espécie de “espiritualidade extática”, mesmo uma esperança de cura, mas com os fiéis a preservarem a fé católica, os seus cultos, como o mariano ou dos santos. Alguns autores têm referido que deste modo a Renovação Carismática oferece o melhor dos dois mundos. Não se tem conseguido estancar a sangria da Igreja Católica para o universo pentecostal, mas essas perdas teriam sido muito mais agudas se não existisse esse movimento de renovação na Igreja Católica latino-americana. Visto de outro modo, podemos dizer que esta “concorrência” do Pentecostalismo tornou a América Latina mais religiosa, mas mais dividida espiritualmente.

O cenário religioso latino-americano ficou mais vigoroso e dinâmico. Considera-se que essa concorrência pentecostal contribuiu para uma certa renovação da Igreja Católica, além de ter provocado mudanças nas principais igrejas protestantes – como a presbiteriana e a metodista – que também têm apostado na dimensão carismática. Alguns designam essa renovação como a sua própria versão (das igrejas tradicionais) do Pentecostalismo, porque é isso que as pessoas pretendem. Não é por aí que se deve analisar a renovação, mas não se pode negar o desafio pentecostal como estimulante para a formação de um novo cenário religioso mais vibrante.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

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