Proibido ser cristão
«Há lugares nos quais é proibido ter uma bíblia ou ensinar o catecismo ou andar com uma cruz. O que quero tornar mais claro é isto: estou convencido de que a perseguição contra os cristãos é hoje mais forte do que nos primeiros séculos da Igreja. Hoje há mais cristãos mártires do que naquele tempo. E não é fantasia, são os números», disse o Papa Francisco numa entrevista recente.
Segundo dados da OSCE (Organização de Segurança e Cooperação na Europa), a cada cinco minutos um cristão (católico, ortodoxo, protestante) é assassinado por causa da sua fé. Estima-se que entre 2000 e 2010 as vítimas foram de cerca de 150 mil por ano. Segundo Massimo Introvigne, director da CESNUR e representante da OSCE, durante o século XX foram assassinados 45 milhões de cristãos por causa da sua fé. Por isso, conclui que a religião cristã é a mais perseguida no mundo.
Dados recolhidos em vários locais indicam que, na Coreia do Norte, 50 a 70 mil cristãos sofrem diariamente nos campos de trabalhos forçados; na Somália, se um cristão “ex-muçulmano” for descoberto pode ser condenado à execução imediata; na Síria, cidades que eram maioritariamente cristãs, hoje, são cidades “fantasma”; no Iraque, há uma fuga cada vez maior de cristãos por causa do aumento da perseguição; no Afeganistão, os cristãos (afegãos) são considerados inimigos do Estado; na Arábia Saudita, todos os bebés recém-nascidos são considerados muçulmanos; nas Maldivas, a constituição determina que todos os cidadãos devem ser muçulmanos para poder viver nas Maldivas; no Paquistão, todos os anos mais de 700 cristãos são sequestrados e forçados a converter-se ao Islão; o Governo iraniano fechou várias igrejas; no Iémen, os cidadãos que deixam o Islão podem enfrentar a pena de morte. E a lista poderia continuar…
As Cruzadas
Sabemos todos que no passado a Igreja também cometeu vários destes “erros”, sobretudo nas cruzadas – embora o contexto fosse totalmente diferente. Por isso, João Paulo II pediu, muitas vezes, perdão por todos esses pecados, sobretudo na carta apostólica “Tertio millenio adveniente” (cf. TMA 33-36). Aí diz que a Igreja é convidada a «assumir com maior consciência o peso do pecado dos seus filhos», alguns dos quais são explicitamente mencionados, como «a divisão entre os cristãos» (cf. TMA 34), ou «os métodos de violência e intolerância» utilizados no passado para evangelizar (cf. TMA 35).
Neste sentido, estas referências à perseguição dos cristãos, no essencial, não têm o objectivo de acusar os outros, nem sequer o objectivo de nos queixarmos como cristãos. Pretendem sobretudo dizer a cada um de nós que é cristão três coisas: que temos de rezar pelos irmãos que morrem, hoje, por causa da nossa fé; que temos de viver o Evangelho com mais seriedade e profundidade nos locais onde não somos perseguidos em “homenagem” aos que dão a vida pelo que acreditam; que temos de lutar contra todas as formas de discriminação (sobretudo religiosa).
Novos Mártires
Estes são os novos mártires. E aqui é interessante referir que a palavra grega martiria quer dizer “dar testemunho”, “ser testemunha” ou “testemunhar” e está na origem também da palavra “martírio”. Neste sentido podemos dizer que o mártir testemunha assim a coerência total entre a verdade daquilo que professa e a vida que vive, até ao ponto de dar a vida pelo que acredita.
Neste contexto, recordo o primeiro discurso do Papa Bento XVI, na sua visita a Portugal quando disse: «Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio» (Aeroporto da Portela, em Lisboa, a 11 de Maio de 2010).
Na altura pareceu-me estranho o Papa falar da necessidade de “martírio”. Hoje percebo melhor a necessidade e o horizonte. Hoje começo a perceber que “dar testemunho com coerência” exige a disponibilidade do “martírio”.
Diante do martírio, a vida vê-se confrontada com as opções mais fundamentais, com a coerência de um testemunho, com o “risco” da verdade, com as consequências de uma “entrega”, e, sobretudo, com a vivência presente das realidades últimas. De facto, uma existência que se compromete com este mundo anuncia a eternidade.
Pe. Nuno Santos
In Mensageiro de Santo António