CAPELA DEDICADA AO SANTO ABRE UMA VEZ POR ANO

CAPELA DEDICADA AO SANTO ABRE UMA VEZ POR ANO

São Bartolomeu e o “Moço”

O Bairro da Beira Mar, o mais característico e típico de Aveiro, tornou-se no maior centro turístico da cidade depois de passadas muitas décadas os responsáveis políticos terem finalmente encetado esforços para fazer a Ria voltar à cidade. Actualmente, mesmo em tempo de pandemia, os moliceiros nunca deixam de circular. Se bem que com bem menos turistas do que numa época normal.

O Bairro da Beira Mar, por onde alguns dos canais da Ria de Aveiro passam e onde se encontra o famoso Rossio – deste parte a maioria das viagens de moliceiro e é o centro turístico da cidade por excelência –, sofreu uma autêntica revolução nos últimos quinze anos. De bairro de pescadores, com casas de rés-do-chão, de uma porta e janela, todas muito parecidas, viu-se transformado numa zona chique onde todos querem morar. E, claro, com isso, rendas que ninguém pode suportar!

Um pequeno terreno, com pouco mais de sessenta metros quadrados, na esquina de duas ruas, acabou de ser vendido por mais de um milhão de euros, com autorização de construção de apenas três andares. As rendas dos imóveis andam sempre acima dos mil euros mensais, para pouco mais de trinta metros quadrados de área habitável, e nem garagem têm. Mas nem por isso as tradições se vão perdendo e todos os anos se revivem.

Recentemente, falei-vos da Capela de São Gonçalinho e das famosas cavacas que são doadas ao Santo, sendo atiradas do telhado da capela para os curiosos que, no pátio, as tentam apanhar com redes de pesca preparadas para o efeito. Este ano, precisamente nesta época, decorrem estes festejos, mas devido à pandemia a maior parte dos eventos que se realizavam, nomeadamente o arremesso das cavacas, foram cancelados. Manteve-se, ainda assim, com severas limitações, o seu aspecto mais religioso.

A Capela de São Gonçalinho é apenas uma das muitas que existem nesta área, todas com história para ser contada. Não muito longe existe um edifício que quem por ele passa dificilmente o identifica como sendo uma capela, quanto mais saber a história que o seu interior guarda ou lhe atribua alguma importância. Com o crescimento desenfreado e desregulado da zona, acabou engolido pelos prédios de dois e três andares que vão aparecendo sempre que uma casa típica de pescador é demolida. Trata-se de um edifício de cal, com estrutura redonda, que mais parece uma fortificação militar. Há pelos menos três nesta área da cidade. Falamos pois de uma capela dedicada ao único santo que tem a capacidade de dominar o Diabo. E tal pode ver-se nas suas representações em estátua.

A Capela de São Bartolomeu foi erigida há mais de três séculos e está virada para Norte, de frente para o Canal de São Roque, como que a agradecer à água o sustento destas gentes, como nos explicaram alguns locais que ainda ali “sobrevivem” à pressão do desenvolvimento.

Como já dissemos, o pequeno templo tem forma circular e apenas uma divisão; é feito de pedra e todo pintado a cal, sendo que o seu interior e exterior já mereciam alguma atenção em termos de melhoramentos. O clima nesta zona, devido à proximidade da água salobra da Ria, torna-se impiedoso para este tipo de estrutura antiga.

Nos raros dias em que se encontra aberto, pode-se apreciar o altar-mor ao fundo e várias imagens sagradas, nomeadamente a de São Bartolomeu que domina o diabo com uma corrente.

A associação deste santo ao Diabo, segundo a crença popular, deve-se ao facto de ser o único dos doze apóstolos com poder para dominar o “Moço”!

“Moço” é o nome pelo qual é conhecido o Diabo entre as gentes deste bairro piscatório. Apenas a 24 de Agosto (no dia de São Bartolomeu), para que o demo não se revolte durante o ano, o Santo liberta-o para que possa vadiar. Daí que o dia 24 de Agosto seja muito pródigo em acidentes e outros incidentes menos afortunados. Quem acredita e venera o Santo evita, a todo o custo, realizar tarefas perigosas ou grandes trabalhos nessa data. Não vá o Diabo tecê-las…

Aqui por Aveiro, nomeadamente na Beira Mar, acredita-se que se a porta da capela estiver aberta o dia será ventoso.

No entanto, São Bartolomeu não é só conhecido por dominar o Diabo. É também o padroeiro dos objectos perdidos, das esposas enganadas e de outros milagres mais difíceis de explicar. Quando fizerem uma oferta ao Santo, nunca se esqueçam do “Moço”, não vá ele ficar com inveja e arranjar algum problema.

A pequena capela, de exíguas dimensões, localizada na Rua de São Bartolomeu, foi construída em 1568 e está decorada, no interior, com azulejos sevilhanos nas zonas da torre sineira e do altar (este último da autoria de um escultor da Escola de Coimbra em pedra de Ançã). A restante área do interior é revestida a azulejos do Século XVII, provenientes de Lisboa.

Apesar de só abrir uma vez ao ano, no dia de São Bartolomeu, vale a pena uma visita mesmo que seja para apreciar a capela por fora e deixar a imaginação correr sobre as conversas que o Santo deve ter com o “Moço” durante o resto dos dias do ano.

João Santos Gomes

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