Azar e decisões difíceis

O azar veio bater à nossa porta. Depois de termos saído de Les Saintes e rumado a Dominica, onde ficámos três dias, seguimos viagem para Martinica. À chegada a Dominica, numa passagem sem grandes problemas, o motor do nosso veleiro começou a “queixar-se” com calor. Sem grandes opções, visto não estarmos preparados para o reparar em alto mar e apenas o termos usado quando estávamos a chegar ao destino, decidimos baixar as rotações e gerir a temperatura até ancorar.

Depois sim, já seguros ao fundo do mar, decidimos ver o que se passava. Não era mais do que um problema com a bomba de água salgada que faz a refrigeração do motor. Instalámos então a de reserva, que estava pronta a ser usada. No dia da partida, bem cedo, ligámos o motor e verificámos que estava outra vez com problemas de temperatura. Desta vez não era do calor. Tinha o veio partido. Desconfiados de que o problema deveria ser bem maior do que simples manutenção, chamámos um mecânico local. Solucionado o problema, tudo deveria funcionar sem problemas. E assim foi na maioria da viagem até Martinica, porque o motor raramente foi ligado. No entanto, quando foi preciso utilizar o motor com mais intensidade, voltou a surgir o problema da temperatura. Sem grandes recursos, só tive como opção desenrascar uma bomba improvisada, levando água directamente da borda do veleiro para o motor. O sistema funcionou até chegarmos a bom porto, pois conseguimos ancorar com o motor.

Ao nos aproximarmos de Fort-de-France, fomos confrontados com ventos contrários a rondar os 30 nós. Sem ser possível recorrer ao motor (apesar de não estar a aquecer demasiado tinha perdido potência e não nos dava mais de um ou dois nós de velocidade) fomos empurrados para Sul pelas correntes e pelo vento forte. Durante mais de vinte quatro horas tentámos lutar contra o vento e a corrente, mas sem grande sucesso.

Cansados e com o moral muito em baixo, decidimos pedir ajuda pelo rádio. A conta final ficou em dez mil patacas, o que para nós é suficiente para viver vários meses. Como temos compromissos em breve e amigos a chegar, não tivemos outra escolha senão arranjar forma de chegar a Fort-de-France para meter mãos ao trabalho e reparar tudo o que há a reparar na nossa casa, estando o motor na linha da frente das prioridades.

Este problema, em conjunto com outros pequenos detalhes – peças que se têm partido e necessitam de reparação – pode levar-nos a optar por ficar no Sul das Caraíbas até finais de Novembro (final da época das tempestades que começa em Junho). A nossa intenção era sair daqui no início de Junho.

Se realmente escolhermos ficar por estas águas para reparar tudo o que há a reparar, no final da época das tempestades iremos subir a cadeia das ilhas das Caraíbas rumo a Norte, a Puerto Rico, e dali atravessaremos directamente para o Panamá, deixando de parte a passagem pelas ilhas Holandesas de Aruba, Bonaire e Curacao (ABC)

Voltando ao motor, chamámos um mecânico especializado em motores diesel Perkins para analisar o que se passava com o nosso M4108 de 1985. O prognóstico não foi bom e temos muito que ponderar nos próximos dias. O problema da bomba de água salgada parece ser mais complicado do que parecia. A mesma está ligada ao motor através do sistema da bomba de injecção, de onde recebe a rotação que necessita para girar e fazer a água do mar circular pelo sistema de refrigeração do velhinho motor. Uma intervenção anterior à nossa compra parece ter danificado um dos suportes da bomba de água salgada, o que fez com que a bomba de injecção se danificasse, estando agora a deixar passar gasóleo para o sistema de óleo. Tudo isto, em conjunto com a idade avançada do motor, faz com que perca potência e não funcione como devia, deixando-nos sem capacidade de o usar em ventos contrários. Esta foi a razão principal do incidente da chegada a Fort-de-France. Não havia forma de avançar frente a ventos de trinta nós sem motor a funcionar normalmente.

Pelo que apurámos, só para a bomba de injecção serão mais de 30 mil patacas, se optarmos por a substituir por uma nova. Isto, juntamente com outros problemas menos importantes que devem ser resolvidos no coração do nosso veleiro, faz-nos pensar numa conta de mecânico bastante elevada.

Esperamos que tudo se resolva e que possamos ter de volta o motor a funcionar normalmente com o mínimo de gastos porque o nosso orçamento está muito curto. E, além do problema do dinheiro, há também o problema da falta de tempo.

Temos estado em contacto com os nossos amigos do veleiro brasileiro Gentileza, que conhecemos em St. Martin no ano passado e que tinham planeado encontrar-se connosco nas ABC para continuarmos para o Panamá e Pacífico. Mantém-se o plano de seguirmos para o Pacífico. Possivelmente virão eles para o Sul das Caraíbas em vez de esperarem por nós nas ilhas holandesas. Já abordámos a questão com a tripulação portuguesa do catamaran El Caracol, que planeavam ir connosco até às ABC em Junho. Ao que tudo indica irão seguir para Sul antes de nós e depois decidir se ali ficam durante a época das tempestades ou se seguem para o Panamá onde irão esperar por nós em Dezembro.

Os últimos dias têm sido complicados em termos de decisões. Por um lado queremos prosseguir a viagem o mais rapidamente possível, por já ser tempo de sair das Caraíbas e rumar ao outro lado do mundo. Por outro lado não queremos apressar nada e facilitar nas reparações porque a segurança está sempre acima de tudo. A pressionar tudo isto, temos visitas a chegar e queremos que tenham a oportunidade de velejar e conhecer locais diferentes a bordo da nossa casa.

Esta será uma semana de muita pressão que nos irá deixar saber se iremos ter o barco pronto a tempo de receber os nossos amigos e qual a solução para os problemas do motor.

João Santos Gomes

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