Augusto de Athayde, Presidente da Ordem de Malta em Portugal

Oficial e Cavaleiro.

Habita ali, ao Príncipe Real, não muito longe por onde deambulava Agostinho da Silva, um dos visionários de um desígnio luso que teima em não se cumprir. «Essa coisa do Quinto Império é algo que mexe comigo também», diz o nosso entrevistado.

O seu nome, faz questão, é para se dizer inteiro, não fosse ele monárquico dos sete costados. Dom Augusto Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt de Athayde é-o, assim com todos estes apelidos, por respeito não só aos seus antepassados açorianos, onde assenta o seu substracto, mas também à ilustre figura da História da Expansão, do qual é o «décimo nono sobrinho neto» ou, melhor dizendo, décimo nono neto da irmã do “Terribil”, conquistador de Goa, Malaca e Ormuz, Dona Constança de Albuquerque, «filha de Gonçalo de Albuquerque, senhor de Vila Viçosa», o que lhe concede o título de «quarto conde de Albuquerque», atribuído ao seu trisavô pelo rei Dom Manuel II. Trisavô esse que era açoriano, um dos raros membros dos Albuquerque que optaram por viver no arquipélago.

Augusto estudou Direito na Universidade Católica e, profissionalmente, exerce as funções de advogado, administrador de empresas, cônsul honorário da República de Malta nos Açores e presidente da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem de Malta e, desde há uns anos a esta parte, presidente do ramo português dessa instituição. Nessa qualidade foi condecorado com a Grão Cruz da Honra e Devoção da Ordem de Malta, Grã Cruz da Ordem Melitense, Cavaleiro da Real Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e Cavaleiro da Ordem do Santo Sepulcro. É também membro do Conselho Directo da Associação dos Cavaleiros Portugueses.

Desengane-se quem pense que todo este seu escrúpulo em mencionar apelidos e títulos traduz uma pomposa e arrogante postura. Augusto Athayde é pessoa de trato fácil e conversa terra a terra, sem deixar contudo de mostrar orgulho nas audiências que teve com o herdeiro do trono português, com o Papa João Paulo II, «pouco tempo antes de ele morrer», e com o Rei de Espanha, e para isso empenha-se procurando as fotografias comprovativas num dos armários do esplêndido casarão materno, onde decorre a nossa conversa.

Também o seu antepassado foi cavaleiro, mas da Ordem de Santiago. E deu o nome do santo padroeiro à primeira fortaleza que mandou construir em Cochim e a um dos principais bastiões da imponente “A Famosa” de Malaca, da qual sobreviveu apenas a porta de Santiago, e que boas novas recentes indicam que será quase inteiramente reconstruída, por iniciativa do Governo malaio, ao longo da próxima década.

Fundada em 1099, a Ordem de Malta firmou a sua sede em Roma até ao século XIX e hoje tem embaixadas creditadas em todo o mundo, inclusive nos países árabes. «São 95 os embaixadores espalhados por diferentes países e instituições a nível planetário», especifica Dom Augusto.

Em Portugal, integram a Ordem cerca de 160 pessoas, originárias dos mais diversos ramos. «Somos muito eclécticos», confessa. Tendo como prioridade a «defesa da Fé cristã» e o apoio aos mais desfavorecidos, «a quem chamamos os nossos senhores pobres e desvalidos», a Ordem apoia os lares da terceira idade «na Santa Casa do Rosário do Gavião e do Crato» e doentes com paralisia cerebral, numa colaboração estreita com a diocese de Évora. Dom Augusto assinala a abertura de um consultório, «constituído por médicos da nossa Ordem», num dos hospitais de Lisboa, «no início deste século», que desde então presta assistência gratuita aos mais carenciados. Outra das vocações da Ordem de Malta é o apoio aos peregrinos que vão a pé a Fátima. Nos postos de suporte «os nossos voluntários tratam das suas feridas e lavam-lhes os pés». Afinal, um misto de entrega franciscana com o ideal do cavaleiro, «defesa das damas e dos pobres», que teve em Portugal a continuação nos primórdios da Expansão enquanto na Europa tal tradição se ia desvanecendo.

A preocupação humanista faz parte desse desígnio nacional no qual acreditaram tantos dos vultos da nossa gente, sendo Fernando Pessoa apenas um dos exemplos. «A Portugal cabe-lhe a missão humanista de perpetuar o encontro de culturas, de concórdia e apaziguamento», afirma Dom Augusto.

O nosso homem não acha que o projecto CPLP seja um projecto falhado, acredita que há que dar tempo ao tempo para que ele se concretize. E não vale a pena compará-lo à Commonwealth anglo-saxónica. «São portas de entrada muito diversas», diz. «Os anglo-saxónicos enveredaram directamente pela via económica e nós pela via humanista, a via dos afectos, apostando na componente cultural que está assente em laços históricos muito profundos. É que o factor efectivo, mesmo que não pareça, triunfa e permanece». Talvez isso possa explicar o facto de, com o passar dos séculos, ser a memória portuguesa, e não outra qualquer, que perdura nos mais recônditos lugares do planeta sempre que se trata de contactos entre europeus e povos «descobertos ou redescobertos». Dom Augusto lembra, a título de exemplo, os fortes laços que nos ligam ao Brasil – “o cais do lado de lá”, como dizia Torga – e a Timor Leste. Admite, no entanto, que «fala-se em demasia e pouco se faz».

A nossa veia humanista poderia ser posta em prática, «uma responsabilidade do Governo», primeiro, dando a conhecer o exemplo da nossa História, promovendo-a, e não convivendo mal com ela, como continua a acontecer; depois, aos portugueses, mestres na adaptação e miscigenação, cabe o papel de ocuparmos «lugares de centralidade, consensos e decisão», como, aliás, já vai acontecendo; e, por fim, tudo perde o sentido se não desenvolvermos harmoniosamente o País, tornando-o num lugar justo e aprazível, «onde todos se sintam bem, como parte integrante dele». Se assim não for, se continuarmos nesta senda de baixa auto estima «que faz com que partamos para os desafios já meio derrotados», dificilmente chegaremos a lugar algum.

O Albuquerque do Príncipe Real não é muito dado a grandes aventuras. Dedicado à família, gosta de fazer o seu esqui, «em Andorra e na Serra Nevada»; aprecia os romances históricos, «deviam ser reeditadas coisas antigas, como as obras de António Campos Júnior ou do Mário Domingues»; e, à semelhança do comum dos mortais, adora ir ao cinema, ao teatro e ao futebol, pois assume-se «benfiquista de coração».

Crente numa monarquia parlamentar onde «o rei é educado para governar», funcionando assim como símbolo nacional, factor agregador, «um verdadeiro árbitro imparcial», considera Olivença uma questão morta, «pois estamos na União Europeia», embora compreenda as revindicações de grupos como os Amigos de Olivença.

Europeísta convicto, acredita que Portugal, para além da sua vertente atlântica, cumpre-se também na Europa. Embora admita que alguma da nossa soberania transitou para as estâncias europeias, «perdemos assim capacidade de auto-determinação» (a imposição de cotas na pesca é um sinal óbvio), embora tal não ponha em causa a alma lusitana, e essa é que é fundamental preservar. Seja como for, «qualquer integração é melhor de que o isolamento», do tipo orgulhosamente sós.

Apesar das gritantes assimetrias sociais, vivemos imensamente melhor do que há 40 anos. Em três décadas «digerimos a perda de um império de cinco séculos», estamos numa plena democracia moderna, estamos nas grandes instituições a nível mundial, e dialogamos, «o que é extremamente importante», com o universo mediterrânico. O Turco, já não é, como era no tempo de Afonso de Albuquerque, o inimigo do Português. Dom Augusto concorda com a entrada da Turquia – «passei aí a minha lua-de-mel» – na União Europeia, mas só dentro de 10 a 15 anos, pois há muito a tratar no domínio dos direitos humanos, das liberdades cívicas, da economia de mercado, e, o mais importante, estabelecer a devida fronteira entre o Estado laico e a religião islâmica. Considera mesmo essa entrada muito benéfica pois «a Europa está a ficar velha e gasta». A Turquia é sangue novo, «não só em termos de mão-de-obra mas a nível de energia criativa», já que os processos emigratórios rejuvenescem sempre as sociedades. Na sua opinião, «a Turquia servirá no futuro como charneira, base de diálogo entre o mundo ocidental e o Médio Oriente», e se essa entrada na UE não se concretizar, poderá repetir-se a História, «reacendendo-se uma velha e insensata luta para a qual todos já demos».

Joaquim Magalhães de Castro

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