Isto de escrever…
Pediram-me que falasse sobre o que escrevi para este Natal, mas não é fácil… Talvez possa começar por dizer que acredito que a minha escrita, seja para os mais jovens ou para os adultos, cumpre uma missão: a de partilhar a minha visão do mundo. Mais! Desejo fazê-lo com uma tal abertura que permita, a quem me lê, escolher se concorda comigo ou não, ou só em parte.
Fazer isto não é simples. Muitas vezes, na literatura para crianças e jovens, tenta-se que o leitor “aprenda” a lição transmitida, inundando e rematando os textos com frases moralizantes e cheias de sabedoria (que ambição), impedindo que o leitor forme a sua própria opinião. Para mim, este é um caminho errado e até simplista. Quem sou eu para obrigar aqueles que me leem a pensar como eu? Que ganha o leitor com isso? A meu ver, nada.
Desta forma, encaro a escrita para os mais pequenos com muita responsabilidade e determinação: quero provocar o pensamento, lançar tópicos para tomadas de posição, mostrar como vejo o mundo para que cada um decida como quer agir sobre ele.
É uma cruzada, bem sei, mas vale a pena.
Quando fui “chamada” aos CTT (Correios de Portugal) e me pediram uma história de Natal, tremi. Volta e meia, pedem-nos algo assim, temático, e nem sempre é fácil descobrir formas inovadoras de construir mais uma história, neste caso, natalícia.
Foi um tremor em vão… Ao ser recebida, com tanto carinho, descontraí em segundos. Estava disposta a ouvir e tentar perceber a ideia. E foi nesse instante que se abriu o jogo e começou o sonho.
Calculo que todos nós, nalgum momento da nossa vida, tenhamos feito colecções. No meu caso, fiz de postais (perdi-lhes o rasto! E não me conformo com isso) e de moedas (esta sem grande preocupação – era mais uma brincadeira com as moedas que me traziam de outros países). De selos, apenas ajudei a retirar alguns de envelopes, mas consigo recordar, de forma muito clara, o cuidado, o êxtase ao ver que o selo se descolava, o orgulho em conseguir fazê-lo sem estragar nem um cantinho. O primeiro passo estava conseguido: na história, iríamos falar de selos, de colecções de selos. Excelente.
Logo de seguida foi-me lançado o segundo desafio: o texto deveria falar sobre o envio de cartas escritas pela nossa mão, contrariando este nosso mundo cheio de SMS, e-mails e redes sociais. Um alvoroço tomou conta de mim! Se há inquietação que me acompanhe é esta: a do afastamento real das pessoas, numa ilusão/prisão de partilha através de “gadgets”, quando bastaria olhar para o amigo que, ao nosso lado, partilha a mesma mesa, ou o mesmo Sol, ou a mesma espera. Preocupa-me também o afastamento em relação ao sentir emocional, quando parecemos esquecidos das emoções que modificam a nossa letra, a nossa forma de contar um assunto, a nossa forma de prever os passos seguintes. Excelente, de novo.
Saí da reunião com um sorriso nos lábios e um farrapo de conversa:
« – Chiquinho!
– Não gosto que me chamem Chiquinho!
– Está bem, está bem. Chico.
– Não gosto que me chamem Chico!
– Então?
– O meu nome é Francisco, avô, e não sou uma criancinha».
Isto acontece quando o tema me toca, quando é, emocionalmente, um desafio. Um fragmento de diálogo, uma sensação quase sem contexto, uma pressa de escrever.
Posso confessar, aqui que ninguém me lê, que tinha em mãos outras escritas, também elas feitas de prazos de entrega e temas para cumprir. Contudo, aquele pedacinho de diálogo trazia uma história agarrada e, quando as coisas surgem assim, não vale a pena tentar parar a vontade de escrever, o melhor é mesmo começar. Tudo o resto ficou em suspenso.
Desta forma, nasceu a história de um neto contrariado por ter sido “abandonado” pelos pais numa terra do interior, que nem cidade se podia chamar, sem os canais certos na televisão, sem computadores por perto e com toneladas de minutos para gastar. O avô, em vez de tentar que o neto entenda as suas razões, resolve atirá-lo para um mundo, de certa forma, mais adulto; um mundo sobretudo mais estranho e diferente. Rachar lenha é apenas o início, escrever cartas será a continuação, coleccionar e conhecer o valor dos correios, um fim que inicia outros caminhos.
Esta é sobretudo uma história de afectos, de sorrisos e de trapalhices. Gosto que os textos nos façam rir e nos comovam; espero ter conseguido isto na história. Este pedido teve o condão de me levar de volta à infância e às recordações, mas também à infância dos meus filhos e às semanas passadas na aldeia. Desejo que chegue aos leitores com uma boa dose de provocação, para que experimentem e conheçam o valor da filatelia, da escrita de cartas pelo nosso punho, da possibilidade de trazer a saudade e a ternura num envelope dentro do bolso.
Falta-me aqui falar sobre a ilustradora, a minha querida amiga, Carla Nazareth. Já construímos muitos livros juntas, mas este não é apenas mais um. Este é um projecto que nos aproximou enquanto amigas, enquanto parceiras de ofício, e nos levou a resgatar das memórias muitas imagens. Este livro, sem o trabalho da Carla N., não seria o que nele vão encontrar. Por isso, preparem-se para se deliciarem com as imagens que mostram, ampliam e dão asas à história que um dia senti:
«– Chiquinho!
– Não gosto que me chamem Chiquinho!
– Está bem, está bem. Chico.
– Não gosto que me chamem Chico!
– Então?
– O meu nome é Francisco, avô, e não sou uma criancinha».
MARGARIDA FONSECA SANTOS
In Clube do Colecionador