500 Anos da chegada dos portugueses a Timor

 O Salvador Relutante

Os incidentes em 2006 em Timor Leste, após a partida das forças de paz da ONU, foram marcados por uma inusitada rapidez na movimentação da tropa australiana. Bastante menos lesta foi na sua acção em 1999 numa altura em que bandos de criminosos armados pelo exército indonésio espalhavam destruição e morte por todo o território. Compreende-se. Em cheque estava o aliado indonésio, o “lóbi de Jacarta” como lhe chama o autor australiano Clinton Fernandes no seu livro “Reluctant Saviour”.Sucessivos Governos australianos, fossem eles trabalhistas ou conservadores, tudo fizeram para preservar a soberania indonésia em Timor. E, contudo, em 1999, Camberra viu-se obrigado a comandar uma força de manutenção de paz. Esse “salvamento relutante” deveu-se à pressão interna da opinião pública expressa em manifestações, greves, boicotes aos produtos indonésios, impedimentos de partida de voos com destino a Bali e a Jacarta, etc. Uma opinião pública elucidada por fugas de informação de carácter confidencial, como a conversa que ocorreu em Washington, em Fevereiro de 1999, entre o Secretário de Estado Stanley Roth e o representante do Governo de Camberra, Ashton Calvert. Roth alertava na altura para a possibilidade do território vir a mergulhar numa onda de violência e da necessidade de enviar uma força de manutenção de paz internacional. Calvert, contudo, foi bem claro ao afirmar que o seu Governo se opunha a tal possibilidade. Alexander Downer apareceria na televisão a dizer que «a verdadeira necessidade era a de reconciliação entre as diferentes facções timorenses». Expressão bastante similar foi utilizada pelo mesmo Downer aquando o envio de um contingente de 120 tropas adicionais. Dizia ele, de forma paternalista, que era tempo «de os timorenses resolverem os seus conflitos». Também por essa altura, Habibie, de visita a Lisboa, apelava a que os timorenses se entendessem e evitassem actos sangrentos.Cinismo é algo que não falta aos vizinhos de Timor.A opinião pública australiana nunca apoiou a ditadura militar de Suharto, ao contrário dos burocratas de Camberra, que sempre foram coniventes com o regime. A nova ordem “suhartiana” implementada à custa de massacres classificados pela própria CIA como “dos mais sangrentos do século XX” foram aplaudidos pelos políticos australianos. Não admira pois que tenham assobiado para o lado quando a Indonésia invadiu Timor Leste em 1975. Reconheceriam oficialmente a usurpação em 1978. Convinha-lhes. Em 1979 iniciavam negociações para a exploração das reservas petrolíferas e de gás natural do Timor Gap.Em 1983, no seu primeiro acto como Primeiro-Ministro, o trabalhista Bob Hawke brindava com champanhe, felicitando Suharto: «sabemos que o povo gosta muito de si». A razão de toda esta cordialidade eram as negociações para o acordo do Timor Gap, que seria assinado em Dezembro de 1985.John Howard chegou ao poder em 1996. Dois anos depois, face à crise financeira asiática, entrava em agonia o regime de Suharto, que de novo sacrificou a vida de milhares de pessoas, entre elas inúmeros estudantes e mulheres e crianças de etnia chinesa. Mais uma vez se manteve muda e queda a diplomacia australiana. Com a chegada ao poder de Habibie, renascem as esperanças independentistas de Timor, e quando até as próximas autoridades indonésias começavam a falar de referendo, Alexander Downer, numa visita Jacarta afirmava: «Não pensamos que a autodeterminação seja o caminho mais adequado para Timor». Com a crise a morder-lhe os calcanhares, Habibie via Timor como uma pedra no sapato da qual se queria desembaraçar e por isso simula uma retirada progressiva das tropas… Entretanto, a Austrália sugeria a Jacarta que prometesse uma autonomia para as calendas, questão de sacudir a pressão. Mesmo assim optou-se pelo referendo, contra a vontade do aparelho militar e contra a proposta australiana de adiar eternamente a questão.O terreno em frente, porém, estava minado. De modo a garantirem o escrutínio, as autoridades indonésias trataram de impedir qualquer envolvimento internacional no processo ao mesmo tempo que armavam as milícias. A Austrália foi o aliado estrangeiro encarregue de transmitir ao mundo o mito de que “a nação timorense não estava unida na questão da independência, mas de tal forma dividida entre facções que a única forma de evitar uma guerra civil era a presença do exército indonésio no terreno.”Pode-se dizer que campanha de terror das milícias começou com o massacre de Alas, em 1998, ainda com Suharto no poder. Este e outros massacres, como o de Liquiçá, em Abril de 1999 foram sempre minimizados e até justificados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiro australiano.A 5 de Maio era assinado nas Nações Unidas o acordo que decretava a realização de um referendo em Timor Leste. A Indonésia, que a ONU, do alto da sua hipocrisia, designara responsável pela segurança do processo eleitoral, estava segura que iria ganhar o referendo. Gizara, porém, um plano B, caso as expectativas saíssem goradas. Nesse plano a Austrália evacuaria os estrangeiros do terreno de forma a que não houvessem testemunhas no decorrer das operações militares que se seguiriam tendo em vista a mudança do sentido do voto.Apesar de todo o clima de medo e intimidação, da presença de votantes vindos de Timor Oeste e de muitas das pessoas não acreditarem que o voto era secreto, 78,5 por cento dos timorenses optou pela independência.Sem perder tempo, o exército indonésio pôs em marcha essa operação que mais não era que puro e duro terrorismo de Estado. O módulo de evacuação australiano, denominado operação Spitfire, servia na perfeição os objectivos de Jacarta. Milhares de observadores estrangeiros, jornalistas, e outros foram aerotransportados para Darwin. Sem testemunhas, o terror depressa se espalhou. Estima-se que mais de 250 mil pessoas tenham sido levados à força para o outro lado da fronteira, numa tentativa de alterar a situação demográfica no terreno. 70 por cento dos edifícios foram destruídos, aniquilando todas as infra-estruturas do País.Esta acção pretendia provocar uma retaliação das Falantil conduzindo-as a uma guerra convencional. Encontrado estaria assim o pretexto para anular o desejo expresso pela maioria dos timorenses. O plano parecia infalível. Felizmente, foi outro o desenlace.Ao longo de todo este processo, a Austrália continuou a fazer declarações públicas que aliviavam a pressão da Indonésia. Um dia após o resultado das urnas, quando a maioria dos postos da UNAMET estavam sob ataque ou tinham fechado, Downer dizia: «temos a impressão que o presidente Habibe, o senhor Alatas e o general Wiranto estão a fazer o que deve ser feito. E alguns dos comandantes também estão tentar fazer o que deve ser feito. Mas a verdade é que sempre houve e continuam a haver elementos descontrolados no seio das forças armadas indonésias».

AS MÃOS ATADAS

A reacção da opinião pública local deixou Camberra sem alternativa. Para evitar uma crise política, a dupla Howard-Downer, que tudo fizera para evitar a entrada de forças de paz em Timor, ofereceu-se para liderar a operação. Bastaram quatro dias de negociações com a Indonésia. A 12 de Setembro, Habibie anunciava ao mundo a autorização de entrada às forças da ONU. A presença de Wiranto a seu lado era um claro sinal que os militares acatavam a decisão. É claro, que a capitulação indonésia só aconteceu porque os EUA ameaçaram cortar a assistência económica.Como se estava à espera, o desmantelamento das milícias, agora abandonadas à sua sorte, foi tarefa demasiado fácil.Ramos Horta, logo após a “libertação” depressa lembrou que um Timor independente entraria na esfera da influência norte-americana, o que não de estranhar em quem estava habituado a percorrer os corredores da ONU e a lidar com os políticos de Davos e quejandos. Mas esta é uma posição estrategicamente errada, pois os países pequenos tornam-se ainda mais vulneráveis quando entram no “mercado internacional de troca de ameaças”, como escreve o analista James Der Derion.A pequenez de Timor tão pouco lhe permite levar a tribunal os arquitectos da limpeza étnica. Nomes como Wiranto, Feisal Tanjung, Mahidin Simbolon, Yuhus Yosfiah, Zacky Anwar Makiarim e Hendropriyono deveriam estar sentados no banco dos réus do Tribunal Internacional de Haia. Em vez disso foram promovidos, medalhados e ostentam faustosas vivendas e gerem negócios lucrativos em Cairns, Perth, Darwin, Melbourne e Sidney. Os seus filhos são educados nas melhores universidades da Austrália, Canadá, Estados Unidos e na Europa.A ligação entre o Ministério da Defesa australiano e a elite militar indonésia, interrompida em 1999, foi de novo retomada, e até reforçada na sequência dos atentados terroristas de Bali. Uma elite que, para além da sua face visível, opera no submundo em áreas tão diversas como a prostituição, a extorsão e o jogo.

Joaquim Magalhães de Castro

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