Testemunho vivo de Fé e Resiliência
A igreja da Sé, actual Catedral da Diocese de Macau, é um marco significativo da história religiosa e cultural da cidade. A sua origem remonta aos primórdios do Século XVII. Assim, em 1576, a diocese de Macau foi criada pelo Papa Gregório XIII através da Bula Super Specula Militantis Ecclesiae. Nesse período inicial da Diocese, a igreja catedral, ou Sé – onde estava a cadeira do Bispo (em Latim “Cathedra”, daí catedral) –, estava sediada na igreja de São Lázaro. Esta era também conhecida como a igreja de Nossa Senhora da Esperança.
DA ERMIDA À CONSTRUÇÃO EM TAIPA – Por volta de 1622, a primeira estrutura da igreja da Sé era uma pequena ermida de madeira dedicada à Natividade de Nossa Senhora. Logo depois, entre 1622 e 1623, foi reconstruída em taipa, um material simples feito de terra e palha, reflectindo os recursos disponíveis na época.
RECONSTRUÇÕES E DANOS AO LONGO DOS SÉCULOS – Em 1835, um tufão devastador causou grandes danos ao edifício da Sé, forçando a transferência temporária dos serviços litúrgicos para a igreja de São Domingos. Na sequência, entre 1844 e 1850, a Sé foi reconstruída quase inteiramente sob a direcção do arquitecto macaense José Tomás de Aquino. Este novo projecto reposicionou a fachada, orientando-a a norte, para evitar encobrir o Palácio Episcopal.
No entanto, em 1874, outro tufão – o designado Tufão Catastrófico de 1874 (甲戌風災) – destruiu novamente partes significativas da estrutura, incluindo as torres e o telhado, o que resultou em importantes obras de reparação. A traça do edifício, entretanto, foi preservada.
Em 1937, a Sé foi completamente reconstruída em concreto, conferindo-lhe o aspecto austero e monolítico que mantém até hoje. Esta reforma incluiu a criação de duas torres sólidas, portas maciças e vitrais magníficos no interior. Durante as obras, os serviços religiosos eram realizados na igreja de São Domingos.
ESPAÇO LITÚRGICO E DECORAÇÃO – O interior da catedral destaca-se pela amplitude e riqueza decorativa, com altares laterais dedicados a diversas devoções, como o Sagrado Coração de Jesus, Cristo Rei, Nossa Senhora de Fátima ou São João Baptista, padroeiro de Macau. Os vitrais ilustram cenas do nascimento da Virgem Maria e dos Doze Apóstolos, realçando a espiritualidade do espaço.
O templo é largo e bem iluminado, com abundante imaginária a atestar as devoções e espiritualidade da população católica. No interior, a luz e ambiência acentuam ainda mais os seus magníficos vitrais e a iconografia que se oferece à contemplação dos fiéis e turistas. Nos vários altares laterais, podem-se ver imagens do Sagrado Coração de Jesus, de Cristo Rei, da Divina Misericórdia, de Nossa Senhora de Fátima, de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Nossa Senhora das Dores, de São João Baptista, de São José, de Santo António de Lisboa/ Pádua, de São Judas Tadeu, de São Josemaría Escrivá, de São Francisco Xavier, de São Frei Nuno de Santa Maria e de Santa Teresa do Menino Jesus. Iconografia que espelha a inserção da espiritualidade católica de Macau nas correntes de sentimento religioso da Igreja nos últimos séculos.
Debaixo do altar principal, encontram-se túmulos históricos, incluindo o de D. Nicolau Rodrigues Pereira de Borja, 12.º bispo de Macau, que desempenhou um papel crucial na reconstrução da igreja após o tufão de 1835.
IMPORTÂNCIA CULTURAL E RELIGIOSA – A catedral de Macau ocupa um lugar de destaque no calendário litúrgico da Diocese, sendo palco de celebrações como a Procissão do Senhor dos Passos na Páscoa e as Missas Solenes de Natal e Páscoa. Além disso, antes da transferência de Macau para a China em 1999, a igreja era utilizada para as cerimónias de tomada de posse dos governadores portugueses, que depositavam o seu ceptro junto à imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
A Sé integra o Centro Histórico de Macau, classificado como Património Mundial da UNESCO. É a igreja matriz da paróquia da Sé, uma das seis paróquias da Diocese, sendo considerada um símbolo da presença católica em Macau ao longo dos séculos.
Desde a modesta ermida de madeira até à catedral imponente em concreto, com as suas duas torres sólidas e portas maciças, a igreja da Sé vem reflectindo a evolução espiritual e cultural de Macau, consolidando-se como um testemunho vivo de fé e resiliência.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa