A força da Rússia
O CLARIM falou com três jornalistas de Macau sobre a derrota do imperialismo alemão em 1945. Harald Bruning sustenta que o Ocidente esquece o importante contributo da ex-URSS para o fim da 2ª Guerra Mundial. Michael Grimes lamenta que os principais líderes ocidentais tenham ignorado a comemoração do 70º aniversário em Moscovo. Jorge Silva afirma que a parada na Praça Vermelha foi absolutamente legítima, tendo em conta o esforço soviético para derrotar a Alemanha Nazi.
O director do jornal Macau Post Daily, Harald Bruning, disse a’O CLARIM que a cumplicidade entre a Rússia e a China na comemoração do 70º aniversário da vitória soviética sobre a Alemanha Nazi, realizada em Moscovo, deve-se essencialmente ao antagonismo dos Estados Unidos com os dois países: «De algum modo é normal esta proximidade entre a Rússia e a China por causa da atitude dos Estados Unidos, devido ao seu relacionamento muito conflituoso com Moscovo e Pequim, e de outros países ocidentais».
Sobre a 2ª Guerra Mundial, frisou que a Rússia e a China têm opiniões e um passado em comum: «Na Europa, muitas pessoas mal sabiam que também havia guerra mundial na Ásia. Os dois países que mais sofreram como vítimas da guerra foram a China e a ex-URSS. Não se julgue que tenha sido a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos. Os regimes do Japão e da Alemanha também sofreram, neste caso como agressores».
«Na Imprensa ocidental não se faz muita menção disso, pois quase só se fala dos Aliados. O grande esforço contra o imperialismo japonês na Ásia era na verdade efectuado pelos chineses e pelos americanos. Na Europa, contra o imperialismo alemão, eram os americanos e os soviéticos. Os franceses colaboraram com os alemães até quase ao fim da Guerra, enquanto os britânicos não tinham poder militar, nem político para travar a guerra», referiu.
Bruning condenou a ausência dos principais líderes ocidentais na capital russa: «Não concordo que poucos líderes do Ocidente tenham estado em Moscovo. Barack Obama devia ter ido e a chanceler alemã devia ter lá estado no dia das comemorações, e não no dia seguinte».
«Sem a URSS era difícil o combate ao fascismo na Alemanha e os EUA teriam problemas em vencer a guerra. Sem o grande esforço da URSS o conflito mundial iria prolongar-se por mais anos», reforçou.
Diferenças
«A China esteve representada pelo Presidente Xi Jinping na parada de Moscovo para assinalar o 70º aniversário da vitória dos Aliados na Europa, enquanto a Grã-Bretanha enviou Sir Nicholas Soames, neto de Sir Winston Churchill», recordou o jornalista Michael Grimes, declarando que «houve aqui uma afronta diplomática».
Nesse sentido considerou ser «uma pena», porque «as sanções do Ocidente foram para punir Putin, devido às suas acções na Crimeia e no resto da Ucrânia, e não para desprezar o enorme sacrifício do povo russo na 2ª Guerra Mundial».
Grimes lembrou que também houve muito sacrifício da China neste período, pois estava em guerra com o Japão desde 1937. «A China foi nominalmente apoiada pela Rússia até 1941, quando esta assinou um pacto de não-agressão com o Japão. A União Soviética apenas declarou formalmente guerra ao Japão a 8 de Agosto de 1945. O atraso foi, em parte, porque os EUA e a Grã-Bretanha – com medo da influência soviética na Ásia – tinham feito lóbi contra a Rússia abrir uma nova frente», aclarou.
«Os historiadores também sabem que a declaração de guerra da Grã-Bretanha e da França à Alemanha em Setembro de 1939 foi parcialmente com o princípio de defender a Polónia (não fez diferença) e, mais abrangentemente, para ter em conta o seu próprio interesse», descreveu.
Quanto à Rússia, «só combateu a Alemanha porque os nazis invadiram-na em Junho de 1941», porque «antes disso Joseph Stalin estava muito feliz por ter feito um pacto cínico com os nazis para retalhar a Polónia».
Ainda segundo Michael Grimes, «avançando até aos dias de hoje, alguns gostam de gozar com o que é considerado de apego irracional do Ocidente aos Direitos Humanos e à democracia», mas se a China «está agora a reprimir a corrupção pública, em parte, é porque sabe que as vozes de todo o seu povo devem ser ouvidas».
«Esta é a verdadeira lição da derrota do fascismo alemão e japonês pelos Aliados, independentemente da lista de convidados VIP no desfile da vitória dos Aliados na Europa, realizado em Moscovo», apontou.
Afirmação
Para Jorge Silva, jornalista do Canal Macau da TDM, Vladimir Putin jogou uma importante cartada de afirmação com a parada na Praça Vermelha, que incluiu dez fileiras estrangeiras, entre as quais a chinesa: «A parada foi algo absolutamente legítima, porque representou a vitória da URSS sobre o nazismo, além de também ser uma demonstração de poder e força de Putin, o Presidente da Rússia que estava isolado internacionalmente pelas sanções do Ocidente na sequência da anexação da Crimeia».
«[Putin] precisava de uma demonstração deste tipo de poderio militar da Rússia e de ter amigos à sua volta, tendo logo a China e Xi Jinping. Quis mostrar ao Ocidente, em particular aos Estados Unidos, que já não está isolado, como no passado. A Rússia tem poder militar e pode fazer aliança política com a China contra os Estados Unidos, caso seja necessário», sublinhou, acrescentando: «É preciso saber se a China está interessada nesta aliança ou se é apenas uma operação de cosmética».
Quanto à demarcação dos principais líderes ocidentais sobre o evento de Moscovo, «é o reflexo do que se está a passar, porque o Ocidente quase congelou as relações diplomáticas com a parceira Rússia».
Todavia, se mesmo assim «a Alemanha, através da chanceler Angela Merkel, esteve lá no dia seguinte, foi por causa de um problema de consciência do Estado alemão moderno, que se demarca do passado nazi», sem esquecer que «a Alemanha é o principal parceiro comercial da Rússia».
PEDRO DANIEL OLIVEIRA