PAULO GOMES, DELEGADO DA FUNDAÇÃO ORIENTE NA ÍNDIA, EM ENTREVISTA A’O CLARIM

PAULO GOMES, DELEGADO DA FUNDAÇÃO ORIENTE NA ÍNDIA, EM ENTREVISTA A’O CLARIM

Goa, centro de comunhão cultural

Paulo Gomes assumiu os destinos da delegação da Fundação Oriente na Índia em Junho de 2022, vindo desde então a desenvolver vários projectos culturais, sempre com o objectivo principal de promover a língua e cultura portuguesas. Das janelas de traça indo-portuguesa quem embelezam a sede da Fundação no Bairro das Fontainhas, em Panjim, capital do Estado de Goa, Paulo olha o mundo numa perspectiva humanitária. E por nunca se sentir completamente satisfeito com a missão que abraçou, revelou a’O CLARIM que gostaria que Goa pudesse liderar um projecto que aproximasse a Índia dos Países de Língua Portuguesa, por meio da vertente cultural.

O CLARIM – Em que aspectos a delegação da Fundação Oriente em Goa coincide e difere das delegações de Macau e Díli?

PAULO GOMES – Essa é uma boa questão porque a Fundação Oriente é uma só. Tem sede em Lisboa – sempre foi assim, apesar de ter surgido em Macau –, sendo que todas as directrizes são emanadas da sede; há uma linha comum, mas depois cada delegação tem as suas próprias especificidades. O que temos em comum é a missão. A Fundação foi essencialmente criada, numa primeira fase, para manter muito próximas as culturas de Macau e Portugal. Começou com intercâmbios culturais e depois divergiu para apoios sociais, filantrópicos, educacionais (em Macau, por exemplo, está presente no IPOR [Instituto Português do Oriente]). Em 1995, até devido à integração não pacífica de Goa, Damão e Diu, em 1961, na União Indiana, havia a necessidade de criar algo que pudesse, através da cultura, melhorar as relações entre a Índia e Portugal. A criação da delegação em Goa começou a ser pensada em 1991, aquando de uma visita à Índia do então Presidente da República, Mário Soares, tendo o nosso fundador e presidente, doutor Carlos Monjardino, respondido afirmativamente ao desafio lançado por Mário Soares de estabelecer uma delegação na Índia. Depois de muitas conversações com o Governo central da Índia, conseguiu-se a respectiva autorização. Foi explicado que a Fundação iria ajudar o País a chegar a pontos onde o Governo não conseguia chegar. Não só em Goa, mas em todo o mundo. Por todas as razões que as pessoas conhecem, só fazia sentido ter em Goa a sede da Fundação Oriente na Índia. Actuamos em todo o território, mas grande parte das nossas actividades são em Goa. Perguntava o que nos une. Pois bem, a missão de estabelecer parcerias e o reforço dos laços entre Portugal e, neste caso, alguns países e territórios asiáticos, onde a presença portuguesa teve expressão (como é o caso de Macau, Goa e Timor); depois tudo o resto acaba por ser um pouco diferente no que respeita aos planos de actividade. Isto porque a realidade destes três locais é diferente entre eles. Estive em Macau em Abril [de 2024] e pude aperceber-me que as actividades pensadas para Macau e Goa são muito diferentes, até pela quantidade de associações e entidades culturais em Macau que vão desenvolvendo inúmeras actividades ao longo do ano – e aqui incluo o IPOR, que tem o seu próprio plano de actividades. Ora, o mesmo não acontece em Goa, onde 95 por cento das actividades são da nossa autoria. Os outros cinco por cento são actividades que vamos apoiando.

CL – Em que áreas actuam?

P.G. – Actuamos em oito áreas distintas, desde o ensino do Português aos concursos na área das artes visuais, passando pelos festivais de música, bolsas de estudo, filantropia ou acções de causa humanitária.

CL – Enquanto que em Macau o ensino do Português é amplamente garantido pelo IPOR, em Goa essa tarefa está quase exclusivamente entregue à vossa delegação. Fale-nos um pouco desta realidade.

P.G. – Em Macau, o IPOR – do qual a Fundação Oriente é uma das entidades associadas – é que tem essa responsabilidade. Em Goa fazemo-lo de três formas: apoio directo a todos os professores goeses que leccionam Português nas escolas públicas do Ensino Secundário – só no Estado de Goa há 22 escolas a ensinar Português. Cada escola tem a liberdade de decidir se oferece aos alunos a possibilidade de estudarem Português ou não. O Português em Goa é uma língua estrangeira opcional. Obrigatório é o Inglês e as línguas nacionais (no caso de Goa, o Konkani e o Marati). Depois vem o Português ou o Francês, caso assim as escolas o decidam. Há mil e 300 alunos a estudar Português – mil e 100 no ensino público, financiados por nós, e outros duzentos em escolas privadas. A razão para o fazermos é manter o Português vivo. Se assim não fosse, com certeza o ensino do Português nas escolas públicas do Ensino Secundário ou não existia ou era muito residual.

CL – Depreendemos pelas suas palavras que se a Fundação Oriente não pagasse o vencimento dos professores de Português, o ensino da língua desapareceria. Concorda?

P.G. – Se a realidade não fosse esta, talvez as escolas o fizessem ou até quem sabe pagasse o Estado Português. Nós pagamos mensalmente, em função das horas leccionadas, mas quero realçar que não nos cingimos a isso. Também organizamos cursos e “workshops” para os professores, alguns em parceria com o Camões – Centro de Língua Portuguesa, em Goa. Há que ter em atenção que para muitos docentes o Português é a terceira língua e sentem algumas dificuldades. Não encontram ao nível do Governo esse apoio, dada a inexistência de um departamento de línguas que lhes forneça materiais pedagógicos ou dê formação. A nossa relação com todas as partes envolvidas (professores, escolas e Governo) é muito boa. Em 2023 assinámos um protocolo para o reforço do ensino da língua e desde essa altura temos ajudado a financiar o Manual de Português em vigor. Entretanto, sentimos a necessidade de alargar, de forma qualitativa, o contacto com o Português, que extravasasse a sala de aula. Para o efeito, criámos novas actividades como, por exemplo, a “Fundação Oriente Estrelas do Futuro”. Trata-se de um concurso de cultura geral, conduzido em Português, que envolve todas as escolas. Cada escola pode escolher quatro equipas (dezasseis alunos no total), podendo também os pais participar, mediante determinadas regras. As perguntas são retiradas dos manuais dos alunos de várias disciplinas. A par de ser uma iniciativa cultural, tem o grande aliciente da equipa vencedora poder visitar Portugal durante quinze dias, uma semana no Porto, uma semana em Lisboa. Uma outra actividade, o “Vem Cantar – Concurso da Canção Portuguesa” – talvez a maior promoção da língua portuguesa da Ásia – decorre desde 2000 e nela participaram muitos dos actuais cantores (alguns deles fadistas) e músicos famosos. É direccionado a jovens e adultos, e mesmo quem não fala Português tem de cantar em Português. Recebemos milhares de inscrições e já é transmitido, ao vivo, por uma televisão nacional indiana. O vencedor da próxima edição irá participar no concurso de música da RTP, “The Voice Portugal”. Para além de todas estas actividades, trazemos a Goa com muita regularidade escritores, professores e investigadores portugueses para apresentaram as suas obras e investigações. Tudo contribui para que a língua não se perca.

CL – No que respeita à organização de congressos, seminários e similares, o que têm realizado e o que tencionam vir a realizar?

P.G. – Só posso falar pelos anos de 2022 e 2023, uma vez que só assumi funções em Junho de 2022. Já comigo, organizámos oito conferências na segunda metade de 2022; em 2023 foram 22; e em 2024 atingimos até ao momento 53. Uma boa parte delas contaram com a participação de investigadores portugueses, tendo também alguns investigadores indianos e de outras origens sido convidados. Houve ainda quem nos tivesse contactado para apresentar os seus trabalhos. Todas as delegações da Fundação Oriente procuram que a sua actividade não seja só a transmissão dos nossos valores e da cultura portuguesa; tentamos sempre integrar elementos das sociedades onde estamos, neste caso, da Índia de uma forma geral e de Goa de um modo muito particular. Caso contrário, a actividade da Fundação era muito destinada a um público muito reduzido. Queremos que seja abrangente, para um público também abrangente, que venha e fique a conhecer a realidade portuguesa em consonância com aquilo que são os laços que nos uniram durante 450 anos. Relativamente à existência de uma actividade anual, nos meses de Setembro e Outubro recebemos a 16.ª edição do Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa, que designamos como “Encontros de Culturas entre a Índia e o Atlântico”. Participaram cerca de sessenta investigadores portugueses, indianos, brasileiros, franceses, moçambicanos, que vieram apresentar os seus trabalhos. Foi uma conferência muito concorrida e teve um grande impacto. Não temos um evento anual sempre dedicado a uma mesma temática, vamos é ao longo do ano organizando uma série de eventos que no nosso entender façam sentido.

CL – E uma ideia que gostasse de colocar em prática, mas que até ao momento tenha sido impossível de concretizar?

P.G. – Talvez seja difícil de concretizar, mas gostaria que se fizesse em Goa aquilo que acontece em Macau, embora em moldes diferentes: a criação de um fórum que servisse de elo de ligação entre a índia e os Países de Língua Portuguesa, com sede em Goa. Com o apoio de todos os Governos, as delegações reuniriam, numa primeira fase, para decidir todas as questões relacionadas com o projecto. Quanto à constituição das delegações, penso que deveriam ser compostas por representes de associações empresariais. Tal implicaria um conjunto de sinergias e de vontades que transcende a Fundação Oriente – embora possamos sempre ajudar –, pois teria que envolver o Governo de Portugal, o Governo do Estado de Goa e o Governo Central da Índia. Goa não é uma porta de entrada para a Índia. É o Estado mais pequeno do País, não é um “hub” industrial e comercial, mas poderia servir para dar a conhecer aos empresários dos países lusófonos as possibilidades de investimento na Índia. E depois, aí sim, pela ligação que existe entre Goa e Portugal, do ponto de vista cultural e do património, seria uma mais-valia para a indústria do turismo. Um fórum destes ocorrer em Goa, mas que abrangesse todas as oportunidades que existem noutros Estados, creio que seria um projecto muito interessante para Portugal e para a Índia. Independentemente da periodicidade, com o alto patrocínio dos Estados, também seriam dinamizados eventos culturais, como exposições, visitas, concertos e festivais. Se a concretização desta ideia levaria à criação do Fórum Índia-Países de Língua Portuguesa, ninguém tem como saber.

CL – Nestes dias apercebemo-nos que há um grande conhecimento de Macau por parte dos goeses, sendo que o contrário não se verifica, ou seja, são poucas as pessoas de Macau que conhecem Goa, já para não falar de Damão e Diu. Não seria importante promover mais Goa em Macau?

P.G. – É uma questão pertinente. Nós, os delegados da Fundação Oriente em Macau, Goa e Díli, sentimos que deveríamos comunicar mais do ponto de vista institucional, a fim de percebermos que sinergias é que poderíamos tirar uns dos outros e que trabalho conjunto é que poderíamos realizar. Por essa razão, decidimos este ano [2024] propor ao Conselho de Administração a realização do encontro anual das delegações. A proposta foi aceite e realizámos o primeiro encontro em Macau, aproveitando a comemoração de duas efemérides: o 50.º Aniversário do 25 de Abril e o 25.º Aniversário da Região Administrativa Especial de Macau. Entre 23 e 29 de Abril, a delegação de Goa deslocou-se a Macau com um programa muito concreto. Através da música e da gastronomia, levámos Goa a Macau. Connosco foram três dos mais conceituados músicos de Goa, que deram um concerto na Casa Garden. Interpretaram músicas em Português, Konkani e até em Cantonense. Na ocasião, tive a oportunidade de conversar com goeses e macaenses, com o objectivo de lhes explicar a nossa actividade e, acima de tudo, perceber o que podemos fazer em conjunto. Há uma outra ideia, que já foi colocada em cima da mesa pela minha colega Catarina Cottinelli [delegada da Fundação Oriente em Macau], que é organizar várias exposições em Macau da autoria de artistas goeses. Em 2025 a reunião anual dos delegados terá lugar em Goa; em 2026 vamos a Díli; e em 2027 voltamos a Macau. Estes encontros anuais, que duram no mínimo uma semana, são já um aspecto interessante, pois há muito que nos une.

CL – Se depender da vontade das autoridades, a permanência da delegação da Fundação Oriente em Goa é ad aeternum

P.G. – Não tenho procuração do Conselho de Administração para falar sobre o futuro da Fundação. Creio que ao celebrarmos trinta anos aqui em Goa, no próximo ano [2025], já de si diz muito. Se quando se viviam tempos mais conturbados, foi possível; agora que temos excelentes relações com as entidades governamentais, com a sociedade e o sector privado, creio que temos todas as condições para continuar. Se for essa a vontade do Conselho de Administração, daqui a mais trinta anos estaremos a celebrar sessenta anos de presença na Índia.

José Miguel Encarnação

em Panjim (Goa)

o jornalista esteve em Goa, em Dezembro de 2024, com a colaboração da Fundação Oriente

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