Paul Wing, Irmão Dominicano do Myanmar

«A democracia é o caminho»

Depois de um regime autoritário o Myanmar está a caminho da democracia, facto que o irmão dominicano Paul Wing vê com bons olhos. Em entrevista a’O CLARIM, o descendente dos portugueses que originou a etnia “bayingyi”, elogia a coexistência pacífica entre o catolicismo e o budismo no País, mas diz que é preciso mais tempo para haver confiança mútua no diálogo com o Governo. De igual forma, acrescentou que o colonialismo deixou sequelas nefastas que ainda perduram.O CLARIMÉ originário do Myanmar e está a tirar o bacharelato de Estudos Cristãos, na Universidade de São José (USJ). Porquê Macau?

PAUL WING – Em 1962 os militares chegaram ao poder no Myanmar, em resultado de um golpe militar. A partir de então os missionários estrangeiros foram expulsos e as escolas nacionalizadas. Em 2006 o padre dominicano da cúria provincial de Hong Kong [Jose Salas] encontrou-se com um clérigo da Diocese de Mandalay [no Myanmar] e falou-lhe de vocações. Ao tomar conhecimento da ordem dominicana optei por me juntar a ela e passei a ser irmão. A formação da casa provincial da missão dominicana de Nossa Senhora do Rosário é em Macau, por isso vim estudar para cá.

CLComo é ser católico num país onde maioritariamente se professa o budismo theravada?

P.W. – Eu próprio não encontro muitas diferenças entre o budismo e o cristianismo, especialmente o catolicismo, porque são consideradas duas religiões pacíficas que coexistem no Myanmar.

CLA fé católica remonta ao tempo de Filipe de Brito de Nicote, aventureiro português que chegou a ser rei do Pegú, no início do século XVII…

P.W. – Na verdade, sou da etnia “bayingyi”, descendente de portugueses do tempo de Nicote. Em Chanthaywa, onde cresci, ainda se chama aldeia “bayingyi”. São cerca de trezentas famílias, cada qual constituída em média por cinco pessoas. Nesta região, na zona do rio Mu, há mais seis ou sete aldeias “bayingyi”.

CLHá liberdade religiosa no Myanmar?

P.W. – Pode-se dizer que há liberdade, mas também se constata que mediante determinadas condições sócio-políticas, como por exemplo a realização de manifestações, as actividades religiosas, tais como procissões e outras, ficam temporariamente interditas. Mas quando está tudo normal podemos celebrar livremente, embora não aconteça em todo o País, porque por vezes não deixam que se construam igrejas nas zonas remotas.

CLComo são as relações entre a Igreja Católica e o Governo?

P.W. – Depois da mudança política em 2010 [após a eleição geral e o Governo civil instalado, tendo Burma sido rebaptizada como República da União de Myanmar], o Governo mostrou abertura e disse que podíamos contactá-lo livremente a qualquer hora, mas estamos muito cautelosos. Precisamos de tempo para confiarmos na mudança. Em qualquer caso, pelo menos agora há uma relação entre a Igreja e o Governo, apesar de não sabermos por quanto tempo mais vamos continuar a ser recebidos.

CLApós meio século de ditadura militar o Myanmar abriu-se verdadeiramente ao mundo em 2012, ano em que a Prémio Nobel, Aung San Suu Kyi, após ser libertada da prisão domiciliária, conquistou um assento no Parlamento, nas eleições parciais. Está optimista?

P.W. – Sim, se tivermos em consideração que antes o Myanmar estava isolado do resto do mundo. A mudança tem sido muito lenta, mas estou optimista porque há mais oportunidades para as pessoas. A democracia é o caminho no meu país. Espero que o Governo mude pouco a pouco…

CL – A mudança atraiu o investimento estrangeiro…

P.W. – O Myanmar acolhe o investimento estrangeiro, mas é também muito cauteloso porque ainda não está habilmente familiarizado com as tendências da economia e dos negócios globais, obviamente também com o capitalismo.

CLAcredita que os problemas das últimas décadas advêm do facto do Myanmar ter sido uma colónia britânica?

P.W. – É uma das razões. Quando conquistaram o País fizeram-no nas três Guerras Anglo-Birmanesas. Após perdermos a parte sul a mentalidade dos birmaneses já era diferente nas regiões divididas. E quando a independência nos foi oferecida constituiu também um problema porque a Grã-Bretanha não queria dá-la a todo o País, mas sim dividi-lo em duas áreas distintas, acentuando divisões políticas e étnicas.

CLVoltando a si… Que futuro?

P.W. – O meu futuro é ser missionário, apesar de não saber ainda onde irei ser colocado pelos meus superiores. Talvez algures na Terra (risos)…

 

Tempo de mudança (Caixa)

O irmão dominicano Alphonso Bo, que na próxima segunda-feira vai defender a sua tese de bacharelato na USJ, vê como «bom sinal» o avanço da democracia no seu país de origem, porque a liberdade «era há muito ansiada» após meio século de regime imposto pela Junta Militar. No seu entender, «há ainda muito a fazer» porque «tem que haver maior abertura do Governo» para a mudança. De igual forma, elogiou «o diálogo que tem vindo a ser encetado entre o Governo e vários grupos étnicos, por forma a construir pontes de entendimento», embora reconheça haver vários desentendimentos. Quanto à existência da corrupção, disse: «É preciso “aceitar” esta realidade porque nem tudo é bom, mesmo nos países ocidentais, onde também há corrupção. Há que saber ler o tempo, em vez de vivermos no passado. Se o tempo é de mudança, também temos que mudar», assinalou.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *