O Escutismo ajuda a uma vida com sentido
Nomeado no início de 2022 para o cargo de Assistente Mundial da Conferência Internacional Católica do Escutismo (CICE), o padre Luís Marinho passou esta semana por Macau. O sacerdote português, que participou em Taiwan no encontro dos líderes escutistas da Região da Ásia-Pacífico, defende que o escutismo ajuda as crianças e jovens a assumir o papel de protagonistas na sua própria história. Em Macau, onde a diversidade é um desafio, mas não é um problema, a pertença escuta é uma forma de partir ao encontro dos outros. O padre Luís Marinho, em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Como surgiu o desafio de assumir o estatuto de Assistente Mundial da Conferência Internacional Católica do Escutismo?
PADRE LUÍS MARINHO –Em 2013 fui convidado pelo meu bispo para ser o assistente nacional do Corpo Nacional de Escutas, o CNE. Tinha tido uma breve experiência escutista na minha adolescência, como Explorador, quando estava no Seminário. Não dei continuidade a essa experiência, mas, depois da ordenação, fui assistente dos Agrupamentos nas paróquias por onde passei, e em 2013 sou confrontado com um desafio. Havia a necessidade de encontrar um novo assistente nacional e o meu bispo, que estava encarregue de encontrar essa pessoa, convidou-me para o cargo. Desde então, ao longo desta última década, fui descobrindo não só o escutismo em Portugal, mas, simultaneamente, a nível internacional, através da participação nas mais diversas actividades: em jamborees, mas também em actividades ligadas à CICE. Fui-me apropriando aos poucos desta realidade, conhecendo as pessoas e, no final de 2021, início de 2022, quando houve a necessidade de encontrar um novo assistente mundial, o Comité Mundial da CICE abordou-me sobre a minha disponibilidade para assumir este cargo…
CL– Assumiu sem pensar duas vezes, presumimos…
P.L.M. –Sim, sim. Porque vinha um tanto ou quanto na continuidade daquilo que já estava a fazer, ainda que agora a um outro nível, mais internacional. Eu já conhecia bastantes pessoas, já identificava o estilo de trabalho e as questões que teria de enfrentar e, por isso, achei que assumir esta missão vinha na continuidade do percurso anterior. É um desafio que me dá a oportunidade de alargar o olhar para a dimensão do mundo e dos diversos continentes…
CL– É uma outra forma de fazer pastoral? O movimento escutista quando aparece não surge necessariamente com uma dimensão católica…
P.L.M. –Sim! O movimento escutista nasce no contexto anglicano. Baden-Powell, o fundador, era um anglicano, mas a realidade do Reino Unido naquela época, em 1907 – ano em que é realizada a primeira iniciativa, o acampamento em Brownsea –, é já uma realidade multicultural e multi-religiosa, alargada ao horizonte do Império Britânico. Desde muito cedo, este confronto da proposta escutista com as diversas religiões é feito e, se para Baden Powell é muito claro que viver para com Deus é o primeiro dos princípios do escutismo, com muita facilidade cada uma das religiões ou cada uma das confissões encontra o seu espaço. Posteriormente apareceu, em França, o padre Jacques Sevin, um jesuíta que conheceu os inícios do escutismo; esteve em Inglaterra, conheceu Baden-Powell e trouxe para dentro da Igreja a credibilidade da proposta escutista, mostrando como ela é de facto: um bom caminho para acompanhar crianças e jovens no seguimento de Jesus Cristo, no contexto da Igreja Católica. Por outro lado, teve outro contributo importante, que foi levar a Igreja Católica para dentro do escutismo e isso também permitiu ao escutismo alargar-se a horizontes muito distintos daquele que era o horizonte original onde havia nascido.
CL– Não é de todo difícil harmonizar a mensagem do movimento escutista com a Palavra de Deus…
P.L.M. –O escutismo – ouvi isto do líder de um mosteiro budista – é um instrumento muito útil para ajudar cada criança, cada jovem a ser o construtor da sua própria história e não o autómato de um sistema; alguém que cresce na consciência de que é chamado a dar o seu contributo para a construção e para a transformação deste mundo. O escutismo, no seu sistema de pequenos grupos, com a presença de adultos, é uma proposta progressiva e tem uma capacidade grande de ajudar as crianças e jovens a tornarem-se os actores e autores da sua própria história. Não para negar todos os desafios tecnológicos que existem, mas para os integrar numa história de vida com sentido. E isto, também para a Igreja Católica, é algo com muita importância. Sendo um movimento que tem no dever para com Deus o seu primeiro princípio, o escutismo confronta-nos com o desafio de abraçarmos este horizonte da transcendência, um horizonte que podemos chamar da espiritualidade, um horizonte de pertença religiosa, não como um rito que se cumpre por fora, mas como algo que acompanha o crescimento de cada pessoa no contexto da sua comunidade.
CL– Participou em Taiwan na conferência da região Ásia-Pacífico da CICE. O escutismo católico está a crescer nesta zona do planeta?
P.L.M. –O escutismo está a crescer. O escutismo católico cresce com a Igreja. E, portanto, vive todas as vicissitudes da Igreja Católica na Ásia e o que encontrámos – bem visível na conferência em Taiwan – foi que os países estão a procurar uma melhor organização para responderem a este desafio no contexto dos países asiáticos onde, na maioria dos casos, a Igreja Católica é uma minoria, e em alguns casos é até uma minoria perseguida ou dificilmente aceite. Importa encontrar uma resposta organizativa que clarifique, que ajude melhor a reafirmar esta dupla pertença: ao escutismo, à organização mundial do movimento escutista e à Igreja Católica; e aí nota-se bem a alegria que existe em se aprofundar e enriquecer esta dupla pertença.
CL– Conhece bem o panorama do escutismo em Macau, onde a par do Grupo de Escuteiros Lusófonos de Macau há o movimento escutista em língua chinesa. Que desafios se colocam ao desenvolvimento do escutismo neste território?
P.L.M. –Há um desafio que é também o grande desafio da Igreja local, de fazer com que cada uma das comunidades linguísticas e culturais se possa sentir parte da mesma Igreja e compreender que a diversidade é um desafio, mas não é um problema. É, isso sim, uma das realidades a viver. Em Macau há seguramente um caminho a fazer. Em segundo lugar, coloca-se sempre o desafio de praticarmos um escutismo que, sendo uma proposta católica, é capaz de se relacionar, sem perder a sua identidade, com as outras pertenças religiosas e fazer propostas de liberdade. No mais íntimo do seu coração, cada um faz as escolhas que entende. O escutismo, num lugar como este, de encontro entre pessoas diferentes, é chamado a ser uma expressão desta unidade.
Marco Carvalho