Miguel Costa, realizador de cinema

“No Divã” em Cannes

Ex-residente de Macau o cineasta português Miguel Costa, que recentemente visitou o território, a convite do certame Rota das Letras, fala a’O CLARIM sobre a sua estada na edição deste ano do Festival de Cannes, onde apresentou “No Divã”, uma curta metragem sobre a condição humana.

O ClarimO filme “No Divã” foi nomeado para “Best Producer of a Foreign Language Film” (Melhor Filme em Língua Estrangeira) e “Best Original Screenplay of a Foreign Language Film” (Melhor Argumento Original em Língua Estrangeira), no Madrid International Film Festival. Como aconteceu isso?

Miguel Costa – A realização de um filme, neste caso de uma curta-metragem com cariz de média, visto que tem a duração de 25 minutos, é sempre um processo relativamente longo. Desde o momento em que surge a ideia para a sinopse, ao desenvolvimento do guião, passando pela escolha do elenco principal, o envolvimento dos patrocinadores, a pré-produção, rodagem, pós-produção e finalmente a sua exibição. Há portanto um grande investimento pessoal e um acreditar no filme, que tem de estar sempre presente. Neste caso, optei por tentar a sorte do filme no Madrid International Film Festival e, como é natural, toda a equipa ficou extremamente felicíssima com a nomeação do filme, em duas categorias diferentes, a de melhor argumento em língua estrangeira e melhor produtor em língua estrangeira. Apesar de ser o meu nome que aparece como nomeado em ambas as categorias, este reconhecimento reflecte a dedicação, o empenho e o talento de toda a equipa artística e técnica que participou neste filme. A realização de um filme é um trabalho de um grupo de pessoas que lutam por um mesmo sonho, baseado numa narrativa e, como tal, fico honrado pelo facto do nosso esforço ser reconhecido.

CLA curta-metragem esteve no Short Film Corner, do Festival de Cannes deste ano. Qual a reacção do público à sua apresentação?

M.C. – O filme não foi apresentado em competição, dado que desde este ano que a secção de médias metragens foi extinta no Festival de Cannes, como tal foi exibido fora de competição. A reacção foi bastante boa, tendo inclusive encetado diversos contactos com produtores, actrizes e profissionais do cinema, de vários países, com vista a possíveis futuras colaborações. Neste momento não posso adiantar muito mais. Vamos ver o que acontece…

CLQuais as expectativas para o Madrid International Film Festival, que irá decorrer na primeira semana de Julho?

M.C. – Ser nomeado, ou seja, escolhido entre milhares de filmes, já é um grande prémio. Portanto as minhas expectativas estão mais relacionadas com ver bons filmes e aproveitar ao máximo os momentos do festival.

CLQual a temática do filme “No Divã”? Porquê a opção por estes actores?

M.C. – O filme fala sobre a alma humana, suas necessidades, preconceitos, tensões, desejos, interesses, estímulos, contradições e perversidades. Sem tomar partido por nenhuma das partes, o mesmo tenta mostrar como a mesma realidade pode ter dois pontos de vista completamente contraditórios. Um psicólogo, o doutor Rodrigo, um homem bem na vida, começa a receber visitas de uma paciente misteriosa, que mantém o seu anonimato ao longo das sessões. A mesma conta-lhe a sua história, recebendo em troca os conselhos do doutor. Com o decorrer das consultas o doutor Rodrigo vai-se envolvendo cada vez mais, no universo intrigante e atraente da sua paciente, revelando mesmo grande atracção pela figura que nunca viu, pois todas as consultas são dadas com o doutor Rodrigo virado para a janela e de costas para a sua paciente, imposição da mesma. Com todo esse mistério a tecer no seu imaginário estímulos de cariz libidinoso, culminando a série de visitas de uma forma inesperada. Quem é essa figura? O que pretende do doutor Rodrigo? Porque o está a envolver nessa teia? Quanto aos actores, admiro muito o trabalho do Paulo Pires, e sempre pensei que para este papel de contenção e mistério, exigido para o personagem do doutor Rodrigo, o Paulo Pires seria o actor ideal. Quanto ao André Gago, é um excelente declamador, portanto foi uma escolha natural para o personagem de declamador. A Bastet Cabeleira, conhecia-a numa entrevista dada ao Paradoxo da Tangência, e lembro-me de a achar com o perfil correcto para a personagem da Madalena. A banda musical tem um papel importantíssimo neste filme, acentuando as tensões emocionais e o estado de espírito das personagens. Sendo eu um grande admirador da obra do amigo António Victorino D’Almeida, achei por bem encetar-lhe o convite, que felizmente aceitou.

CLNa década de 1990 viveu em Macau. Não tem vontade de filmar no território? Há planos para isso, ou não?

M.C. – Passei quatro belos anos da minha vida no território, que me encantou imenso. Em Março deste ano voltei a Macau para apresentar a curta “No Divã” e o documentário “A Poética de António Victorino D’ Almeida”. Adoraria realizar uma longa-metragem rodada em Macau e na China e, quem sabe, se não surge essa oportunidade? Seria maravilhoso.

CLPode adiantar algo sobre projectos que tenha em curso?

M.C. – O meu grande objectivo, neste momento, é cativar patrocinadores para a realização de uma longa-metragem baseada num guião original que escrevi, intitulado “X”, e que tem como mote o quotidiano de um fotógrafo de moda que se depara com lutas internas e externas, sobre a ambiguidade existente entre a nossa procura de beleza exterior, o conceito estético, e a realização dos nossos desejos mais intrínsecos de satisfação emocional. A montagem financeira não é um processo fácil, mas tenho já algumas reuniões marcadas nesse sentido. Além do cinema, também realizo outros trabalhos, como documentários, publicidades e concertos, estando neste momento em fase de pós-produção de um espectáculo da minha queria amiga, e enorme artista, Maria de Medeiros, intitulado “Pássaros Eternos”, e que tem como principal objectivo o mercado estrangeiro.

Joaquim Magalhães de Castro

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