Duas rodas na rota dos portugueses.
Antigo militar das Forças Armadas Portuguesas e jornalista, José Cardoso, natural de Vila Nova de Gaia, cumpre neste momento um dos sonhos da sua vida: dar uma volta ao mundo de biclicleta inspirada nos feitos dos lusos argonautas. O CLARIM contactou-o via e-mail e pediu-lhe que fizesse o ponto da situação da sua épica jornada.
O CLARIM – Qual o objectivo da sua viagem e por que razão a decidiu fazer?
JOSÉ CARDOSO – O objectivo começou por ser visitar lugares espalhadas pelo Mundo relacionados com a História de Portugal. Depois, houve o caso de uma bicicleta roubada em Sines a um chinês que viajava de Kunming ao Cabo da Roca. Eu alojei-o e emprestei-lhe a minha bicicleta para ele terminar a viagem. A opção que eu tinha, depois da bicicleta dele ter sido encontrada pela GNR de Sines, meses após o roubo, era restitui-la. E assim, pedalando-a, fiz-me à estrada, seguindo a minha rota previamente programada, desde o castelo de Guimarães até Kunming, na China. A bicicleta “não sobreviveu” a um acidente na Índia, pelo que foi enviada por transportadora para a capital da província de Yunnan. Tratei de comprar outra bicicleta em Malaca e fiz questão de prosseguir com o percurso estipulado e encontrar-me com o Eric Feng na China. Porque decidi fazer isto? Talvez porque esta viagem seja um misto de sonho de criança e uma tentativa de me manter ocupado durante a minha reforma.
CL – Macau faz parte do seu roteiro? Se sim, quando tenciona passar por cá?
J.C. – Sim, Macau é a Pérola Portuguesa do Oriente, um território chinês que administrámos e que foi pacificamente devolvido a quem de direito quando o foi solicitado. Macau é a imagem da História dos Descobrimentos: dois povos encontram-se, convivem, misturam-se, fazem trocas comerciais, têm as suas zangas, mas, apesar de tudo, sempre se comportam como amigos. É isso, a História de Portugal: encontro de povos e culturas, absorção de usos e costumes por ambas as partes, com respeito mútuo. Portugal nunca destruiu culturas ao invés dos castelhanos. A chegada a Macau acontecerá, se Deus quiser, em 2018, pois o percurso até lá é sinuoso e há muitos locais a visitar antes de atingir à foz do Rio das Pérolas.
CL – Em que ponto se encontra a sua jornada? Qual o itinerário futuro e data e local de conclusão da viagem?
J.C. – A viagem está quase a meio. Neste momento estou na Austrália, mais exactamente em Perth, pronto a iniciar a travessia do deserto até Brisbane. Daí irei para a Nova Zelândia, Timor Leste, Indonésia, Filipinas, Taiwan, Hong Kong e Macau, altura em que estará concluída a metade do meu périplo. De Macau viajarei para o Hawai, Estados Unidos, México, Cuba e toda a América Central e América do Sul, ao longo da costa atlântica, até à Antártida. O meu regresso, a entrada em Portugal, dar-se-à por Olivença, território nacional ocupado por Espanha, e daí seguirei até ao ponto de partida: o castelo de Guimarães.
CL – Pode fazer um resumo da sua viagem até agora?
J.C. – Passaram-se dois anos e sete meses. Fiz, até ao momento, cerca de trinta e cinco mil quilómetros, sempre a pedalar; atravessei quarenta e cinco países, e em todos eles encontrei pontos históricos comuns com Portugal. Enquanto português fui sempre muito bem recebido, com o nome de Cristiano Ronaldo a ser o mais mencionado, mas também os nomes de Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque e São Francisco Xavier. Vivi momentos inesquecíveis. Destaco a estada no aquartelamento da tropa portuguesa no Kosovo; a Missa do Galo na Basílica da Natividade, em Belém; as manifestações do quarto aniversário da Primavera Árabe na Praça Thair, no Cairo; a participação numa série de TV, onde fui o protagonista, no Irão; a visita aos fortes portugueses no Sri Lanka, erradamente denominados de “fortes holandeses”; e, a Índia, sempre a mítica Índia, para nós portugueses, onde tive o prazer de dormir na casa onde viveu e morreu Vasco da Gama, em Cochim, e de visitar emblemáticos locais como Goa, Nagar-Haveli, Damão, Diu, para além de outros locais da Índia profunda. Seguiu-se depois Malaca, Singapura, Tailândia, Myanmar, Camboja, Vietname, a China, a Coreia do Sul e o Japão, onde fiz questão de molhar os pés nas águas geladas da baía do Cabo Katokura, na ilha de Tanegashima, onde aportaram os primeiros portugueses. Estou grato por poder ter tido a possibilidade – sempre com enorme esforço físico e mental – de visitar todos estes países com os quais temos ligações históricas, umas mais fortes do que outras.
CL – Quais foram as maiores dificuldades. Qual o país mais hostil e qual o que o mais surpreendeu pela positiva?
J.C. – Até ao momento não tenho nenhum país hostil na lista. Felizmente. Todos eles foram fantásticos, com maior ou menor dificuldade na circulação rodoviária. Nunca, em tempo algum, me senti inseguro. O país que mais me surpreendeu foi o Irão, pela bondade do seu povo, simpatia das autoridades, o país em si, o desenvolvimento, só mesmo visto e presenciado.
CL – Como é isso de ser português a pedalar por esse mundo fora em busca de vestígios do nosso património?
J.C. – Para mim é o culminar de toda uma vida. Não faço isto para ser famoso; faço-o porque adoro o meu país, sou um orgulhoso descendente “tuga” que carrega consigo 900 anos de História. Agora, entristece-me, isso sim, que a História de Portugal após o 25 de Abril seja encarada como se tivesse sido um crime. As TVs não dedicam espaço à divulgação dessa fundamental matéria junto das novas gerações que aprendem uma história globalizada e não a História de Portugal. Mas, quem sabe, talvez um dia o paradigma mude para melhor.
Joaquim Magalhães de Castro