Joan Marbeck, dinamizadora da língua Kristang na Malásia

«Estou chocada com Macau».

O Papiá Kristang e o Patuá di Macau são dialectos que estão a desaparecer lentamente, assegura Joan Marbeck, que se diz chocada naquilo em que se transformou a RAEM, no que respeita à herança cultural. A’O CLARIM, a presidente da Comissão para o Património e Cultura da Associação Euro-Asiática de Sengalor e Território Federal, na Malásia, fala das feridas do passado entre portugueses e holandeses, da oportunidade aproveitada pelo Governo malaio para mostrar ao mundo que tolera os cristãos, e da falta de vontade que prevalece no Bairro Português de Malaca.

O CLARIM – Foi a oradora da palestra “Preservando línguas e culturas em risco: um testemunho pessoal sobre o Kristang de Malaca (Malásia)”, que decorreu na Universidade de Macau. Que futuro para o Kristang da Malásia?

JOAN MARBECK – O Kristang está a desaparecer lentamente por causa da língua nacional, o Malaio. O que encontro em Malaca é decepcionante. No momento em que uma língua desaparece, também desaparece a sua comunidade. Já fiz a minha parte ao manter e divulgar o Kristang através dos meus livros. Não sei qual será o futuro, mas pelo menos já está documentado, algo que não acontece com muitos outros dialectos em vias de extinção.

CLO Patuá di Macau tem as suas raízes na Malásia. Que percepção tem deste dialecto?

J.M. – Os meus dois filhos estudaram na Universidade de Macau… Desde a transferência de soberania que [o Patuá] está quase na mesma situação [que o dialecto] de Malaca. Os chineses são muito trabalhadores e podem “projectar” este tipo de indústria [do Jogo], porque precisam do dinheiro para sobreviver. Se tiverem o controlo do tecido industrial e o fizerem na sua língua [materna], que estará aberta à Grande China, é certo que o [crioulo] maquista irá desaparecer. Felizmente, em Macau ainda há pessoas que se preocupam [com o seu dialecto].

CLMacau, tal como Malaca, é património mundial da UNESCO. Está cá pela oitava vez, a primeira foi em 1990. Como vê o património cultural?

J.M. – Estou chocada com Macau, porque pensava que estava num lugar diferente, em Las Vegas. Estou chocada, mas será que posso fazer algo para recuperar a Macau tal e qual como era noutros tempos? Não posso! Perdeu-se uma boa parte da cultura urbana. Sou uma euro-asiática, por isso estou chocada.

CLJá falou do Kristang. Curiosamente, algumas personalidades do “Kampung Portugis”, o Bairro Português de Malaca, afirmam que não falam o Kristang, mas sim o Português Antigo, porque dizem que o Kristang era falado pelos holandeses…

J.M. – Não vivo no Bairro Português porque sou descendente de holandeses. Os meus pais falavam perfeitamente o Holandês, assim como o Papiá Kristang. Os holandeses não eram católicos, mas sim cristãos [calvinistas]. Os católicos foram perseguidos e muitos tiveram que fugir para as florestas [após os holandeses conquistarem Malaca aos portugueses em 1641]. Então, os padres portugueses que estavam em Malaca acharam por bem que todos se chamassem “kristang”, cuja tradução é “cristãos”. O Português Antigo é uma moda bastante mais recente. Talvez seja até verdade que falem o Português Antigo, mas porquê pôr de lado o tempo em que as pessoas diziam que falavam o Papiá Kristang?

CLDepreendo que todas essas tenções latentes deverão ser fruto do passado histórico de Malaca a envolver portugueses, holandeses e britânicos…

J.M. – É claro que haverá feridas, mas julgo que já estão todas saradas. Sentamo-nos, comemos e bebemos juntos. Não invocamos a descendência. No meu caso, quero ser conhecida como euro-asiática malaia. Por isso, não há mais portugueses, holandeses, britânicos, filipinos ou outros. Somos todos euro-asiáticos, como uma só comunidade. Se não gostam, tudo bem!

CLEstarão os residentes do Bairro Português a ser marginalizados?

J.M. – Não estão a ser marginalizados. Apenas imaginam que estão. O Governo malaio dá-lhes privilégios. Estão protegidos pelo Governo e podem progredir, se quiserem. O problema é que querem viver no Bairro sem progredir o suficiente e juntar-se a outros euro-asiáticos, embora mantendo a sua própria identidade, como é o caso do Crioulo Português de Malaca. Por outro lado, o Governo está a usá-los como exemplo para a UNESCO de que tem uma formidável comunidade étnica que perdura há 500 anos. Malaca tornou-se numa montra para o resto do mundo em como o Governo muçulmano apoia os cristãos.

CLUma montra!?

J.M. – É uma montra, mas as pessoas do Bairro Português não estão a aproveitar esta oportunidade, porque se tivessem outra atitude melhoravam o seu modo de vida. O Bairro tornou-se numa oportunidade para ambas as partes: para o Governo malaio, que mostra tolerância; e para o Bairro Português, que exige benefícios do Governo para depois quase nada ou muito pouco fazer pela melhoria de vida da sua comunidade.

CLParece que o Governo malaio não se envergonha da herança colonialista deixada pelos europeus…

J.M. – Não se envergonha. São as próprias pessoas que põem em evidência outras culturas, tais como a chinesa ou a indonésia. Por que não promovem os seus produtos culturais, em vez de trazerem o que é de fora e venderem algo que não tem valor patrimonial?

CLO que falta então?

J.M. – O vazio está nas próprias pessoas, que têm sido mimadas. Se não têm dinheiro para comprar agulhas ou uma máquina de costura e dizem aos visitantes para irem comprar um vestido noutro local, tudo bem! Mas se estão num lugar que é património cultural, como sucede com o Bairro Português de Malaca, é preciso mostrar vontade.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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