«Há muitos pais que negligenciam os próprios filhos».
É uma das mais antigas instituições do território, mas os 85 anos de história não entorpeceram de forma alguma a sua missão. Criada em 1933, a secção chinesa do Colégio de Santa Rosa de Lima continua a assumir como principal incumbência a valorização da mulher através da educação. A irmã Law Yuk Ching, directora do estabelecimento de ensino, traça o retrato de uma escola que está entre as mais procuradas pelas famílias do território. A razão? Os valores que transmitem e que vão muito além do desígnio do sucesso material, numa sociedade onde o abandono e a negligência estão cada vez mais presentes.
O CLARIM – A secção chinesa do Colégio de Santa Rosa de Lima, da qual é directora, foi criada há 85 anos. Como é que a escola mudou desde então?
IRMÃ LAW YUK CHING – A secção chinesa do Colégio foi criada em 1933, exclusivamente para raparigas. Na altura, Macau começava a receber muita gente vinda da China e percebemos que muitas das meninas e das raparigas chinesas que chegavam não tinham possibilidade de receber educação formal. A nossa missão, com a abertura da secção chinesa, passava principalmente por providenciar educação a essas meninas; por ensiná-las. Há vinte anos que trabalho na secção chinesa do Santa Rosa de Lima e o nosso objectivo não se alterou tanto quanto isso.
CL – E a missão do Colégio? Continua a ser a de facultar educação a crianças de meios mais desfavorecidos?
I.L.Y.C. – Quando o Colégio foi criado quase não existiam outras escolas em Macau. Na época, éramos procurados sobretudo por pessoas que não tinham dinheiro ou não se podiam dar ao luxo de colocar os filhos na escola, porque precisavam que eles trabalhassem. A nossa missão passava por ajudar estes estudantes, mas o Colégio já faz parte, há alguns anos, do esquema de subsídios do Governo. De certa forma, isto significa que podemos escolher as alunas que queremos ensinar, mas não discriminamos. Seguimos os procedimentos de inscrição normais. Não ignoramos alunas não-chinesas. Temos estudantes de vários países. Querem estudar Chinês e nós aceitámo-las, sejam ricas ou pobres. Hoje em dia, as alunas já não necessitam de pagar qualquer propina.
CL – O número de alunas que procuram o Colégio está a aumentar ou a diminuir?
I.L.Y.C. – Está a aumentar…
CL – Que consequências tem esta tendência para o Colégio? O espaço ainda é suficiente?
I.L.Y.C. – Sim. Os Serviços de Educação e Juventude continuam a pedir-nos que acrescentemos mais turmas. O nosso colégio abrange os Ensinos Pré-Primário, Primário e Secundário. Todos funcionam no mesmo complexo escolar. Neste momento já temos oitenta turmas. Com o afluxo de mais estudantes – quer os que mudam de outras escolas, quer os que entram no sistema educativo – o Governo terá que pensar como é que pode criar mais escolas em vez de pedir às existentes para receber mais alunos. As nossas turmas já têm trinta ou mais alunas. O número é muito elevado, tendo em conta a política de turmas pequenas que o Governo quer promover. Nós procuramos aceitar o que podemos. Vamos continuar a cooperar com o Governo e perceber se podemos criar mais turmas sem comprometer a qualidade da educação. Isso para nós é o mais importante.
CL – No total, quantas alunas frequentam a secção chinesa do Santa Rosa de Lima?
I.L.Y.C. – Já temos cerca de duas mil e 500 alunas. No Jardim de Infância estão inscritas setecentas e tal, divididas por 24 turmas. A maior parte das alunas que frequentam a secção chinesa estudam no Ensino Primário. Temos 31 turmas e mais de um milhar de estudantes. No Ensino Secundário as estudantes estão concentradas nos anos mais baixos, mas dentro de dois ou três anos, quando as alunas da Primária ingressarem no Secundário, o número vai subir. No Ensino Secundário este ano também temos cerca de setecentas e tal alunas.
CL – O Colégio de Santa Rosa de Lima é uma escola católica. De que forma é que os valores do Catolicismo se reflectem no modo como as alunas são educadas? O que faz com que o Santa Rosa de Lima seja uma escola diferente: o método como os conceitos são ensinados? Ou os valores que dissemina?
I.L.Y.C. – Penso que os pais nos escolhem devido a ambos os aspectos. Mas o mais importante creio que é mesmo o facto de sermos uma escola católica e em Macau as escolas católicas parecem deixar uma boa impressão, mesmo nos residentes que não são católicos. Eu diria que a maior parte das famílias locais tentam inscrever os filhos numa escola católica. É a sua primeira escolha. Por outro lado, depois de conseguirem inscrever os filhos, os pais apercebem-se que uma das diferenças é que colocamos um grande ênfase na educação moral das nossas alunas. Quando falo em educação moral, falo numa educação que tem por base os nossos valores católicos. Esta é, a meu ver, uma das principais razões pelas quais as famílias de Macau optam pelo Santa Rosa.
CL – Ensinam sobretudo raparigas. Gerir uma escola para raparigas é muito diferente de gerir uma escola mista?
I.L.Y.C. – Esta continua a ser a principal missão das Missionárias Franciscanas de Maria um pouco por todo o mundo. Ao educar raparigas mantemo-nos fiéis ao espírito da nossa fundadora. Ele sempre quis que as raparigas pudessem beneficiar de uma educação formal. Esse foi sempre o seu propósito. Se for lá fora, à estátua da nossa madre fundadora, percebe que a sua mensagem é uma mensagem de amor. Quando falava de educação, falava sobretudo de amor. Costumava dizer que, para as mulheres, o amor é de extrema importância: as mulheres têm um potencial inato para amar. A nossa missão passa por ajudar a desenvolver esse potencial e ajudá-las a encontrar os meios através dos quais podem expressar esse potencial, até porque são as únicas com potencial para gerar uma nova vida.
CL – A forma como a mulher é vista mudou muito, no entanto…
I.L.Y.C. – Mudou. E o que fazemos é tentar garantir que as nossas alunas se desenvolvam de forma equilibrada, claro. Não lhes dizemos que elas têm de ser boas mães. Não, não, não! Se o que querem é ser médicas ou arquitectas, encorajámo-las a lutar por isso. Podem ser o que desejam. Mas também procuramos dotá-las da capacidade de optar. O futuro depende apenas das escolhas que fizerem. Elas fazem as próprias escolhas, mas escolham por onde escolherem, não conseguem escapar ao amor. Independentemente do caminho que escolherem, o que queremos é que sejam capazes de lidar com as pessoas, que possam tratar as pessoas como Deus nos trata a nós. Este é um aspecto muito importante. É algo fundamental na missão definida pela nossa madre fundadora.
CL – A educação não acontece apenas dentro das salas de aula. Os pais e a família são os primeiros e os principais educadores; são cada vez mais os pais que não têm tempo para os filhos. Uma cidade como Macau é um bom local para se criar uma criança?
I.L.Y.C. – Os maiores desafios com que nos deparamos chegam muitas vezes dos pais. Há muitos pais que negligenciam os próprios filhos. Pura e simplesmente não aparecem. Por vezes perguntamo-nos porque razão algumas das nossas alunas não comem, porque é que não fazem os trabalhos de casa, porque é que não se comportam com normalidade e isso acontece porque não receberam uma educação familiar. A educação no seio da família está a ser negligenciada. Enquanto as crianças estão no Jardim de Infância, os país fazem questão de marcar presença. A partir daí desaparecem, pura e simplesmente.
Marco Carvalho