Valores cristãos geram novas vocações.
Receberam o diaconato no dia de Todos os Santos e estão, desde então, a um pequeno passo de alcançar a meta que se propuseram atingir: a de se tornarem sacerdotes e colocarem a vida ao serviço do povo de Deus. O entusiasmo com que o vietnamita Ignatius Ngo Van Thu Giang e o birmanês Francis Nge Nge falam dos desafios que os esperam contradizem a ideia de que a Igreja se depara com uma crise de vocações. No Vietname e no Myanmar, asseguram, o Catolicismo tem vindo a crescer nos últimos anos.
O CLARIM – No início do mês foram ordenados diáconos. É o primeiro passo rumo a um percurso ainda mais significativo?
IGNATIUS NGO GIANG (I.N.G.) – Os meus planos, desde que iniciei o noviciado em Hong Kong, sempre foram os de me tornar sacerdote. A ordenação, a 1 de Novembro, foi um momento muito importante porque marca uma mudança crucial. Não se trata apenas de uma mudança de estatuto que permite que sirvamos junto dos bispo e junto dos fiéis, mas também uma mudança teológica. Significa que nos tornamos uma nova pessoa. Os nossos planos deixam de ser os nossos planos; são agora os planos de Deus.
FRANCIS NGE NGE (F.N.N.) – O facto de me ter tornado diácono deixa-me um passo mais perto de atingir o meu grande sonho. Durante toda a minha vida que tenho alimentado o desígnio de me tornar sacerdote, pelo que a 1 de Novembro, quando fomos ordenados diáconos, sinto que fiquei um passo mais perto de me tornar padre. É esse o meu objectivo e é para isso que tenho vindo a trabalhar toda a minha vida. Acredito que fui chamado pelo Senhor. Deus quer que eu seja sacerdote e ter sido ordenado diácono é estar a um passo daquilo que eu sempre quis ser.
CL – Quando é que se apercebeu de que o caminho de Deus era o caminho certo para si?
F.N.N – Para lhe ser honesto, a razão pela qual me quero tornar sacerdote é porque sempre nutri uma grande admiração pelo padre da paróquia onde cresci. É uma pessoa genuinamente boa e eu admiro-o muito. Quando era pequeno assistia à Eucaristia com grande devoção. Ficava sempre muito sensibilizado com as suas palavras e decidi que um dia iria ser como ele. Desde então, e devido à admiração que sinto por esse sacerdote, que me quero tornar padre. O percurso foi longo, mas sinto que agora estou a um pequeno passo de conseguir.
CL – O mesmo sucedeu consigo?
I.N.G. – Acredito que a chamada de Deus muda de pessoa para pessoa e pode manifestar-se de diferentes formas. No meu caso, o meu percurso é muito diferente da experiência do Francis. Só decidi que queria ser sacerdote quando conclui a Universidade. Quando era jovem tinha outros planos para a minha vida. A vontade de Deus impôs-se e quem sou eu para a contradizer? Se for esse o plano de Deus, certamente que é o melhor para ambos. Não interessa se os planos de Deus são ou não do meu melhor interesse. É para o meu bem e para o bem do povo de Deus.
CL – Foi educado como católico?
I.N.G. – A minha família é uma família de bons católicos. Os meus pais e os meus irmãos, todos eles são católicos praticantes. Admiro a forma como a minha família me educou e sempre me tratou porque me deram a oportunidade de ficar a conhecer os valores católicos. Quando estava na Universidade foi-me dada a hipótese de tomar o pulso à forma como os sacerdotes viviam e senti-me interessado no sacerdócio pela primeira vez. Foi o meu próprio pai que me sugeriu que me tornasse padre.
CL – A sua família não colocou, então, qualquer entrave à sua decisão de se tornar um sacerdote?
I.N.G. – Não, de forma alguma. Adoraram a ideia. Como sabe, as famílias católicas mais tradicionais sempre valorizaram muito a ideia de poder ter um sacerdote na família. É algo de que se orgulham muito.
CL – E no seu caso, Francis?
F.N.N – Desde pequeno que digo que me quero tornar sacerdote. Estou muito grato pelo facto de os membros da minha família terem aceitado e apoiado as minhas escolhas desde o primeiro dia que lhes transmiti o meu desejo. São todos muito solidários e eu amo a minha família. O único detalhe que me deixou um pouco triste foi o falecimento do meu pai uma semana antes de eu ser ordenado diácono. O facto do meu pai não ter testemunhado o momento em que me tornei diácono deixou-me um pouco triste.
CL – Como é que Macau surgiu no vosso percurso?
I.N.G. – Sinto-me muito afortunado por poder estudar em Macau. Uma boa parte dos missionários que evangelizaram a Ásia no passado estudaram em Macau e agora, no século XXI, tenho a oportunidade de ser um deles.
F.N.N – Como referia, é uma das mais antigas dioceses católicas do continente asiático. Viemos para Macau com o propósito de estudar para que nos possamos tornar sacerdotes, mas a Macau em que vivemos é uma cidade muito diferente. O número de católicos não é muito substancial. Mesmo nas igrejas o número de fiéis com que nos deparamos não é muito significativo. Precisamos de fazer com que as pessoas se apercebam da existência e da presença da Igreja; trabalhar para melhorar as acções pelas quais o reino de Deus em Macau se faz visível.
CL – Esse é o maior combate com que se depara a Igreja nos dias que correm?
F.N.N – É verdade que em muitas sociedades desenvolvidas deixámos de ver vocações em número significativo. Parece-me que isso acontece porque as pessoas pensam, sobretudo, numa vida mais confortável e o conforto, hoje em dia, é sinónimo de dinheiro. As pessoas já não param para pensar em Deus porque a única coisa em que pensam é em dinheiro. Os pais não querem que os filhos viviam em condições desafiantes; os pais são, por isso, os principais responsáveis pela queda no número de vocações. Na minha opinião, as vocações dependem sobretudo da forma como os pais educam os seus filhos.
CL – Esta crise de vocações é algo com que a Igreja se deve preocupar?
I.N.G. – O futuro da própria Igreja passa pela Ásia e por África, antes demais devido às consequências naturais da taxa de natalidade: os europeus já não tem o mesmo número de filhos que tinham no passado. O segundo aspecto a ter em conta é o fascínio que exerce a ideia de uma vida mais confortável. A tendência é de que as pessoas procurem oferecer aos filhos uma vida mais confortável do que aquela que tiveram. A terceira razão tem uma dimensão mais particular: as pessoas não querem, pura e simplesmente, ficar sozinhas. Alguém que decide tornar-se sacerdote condena-se, aos olhos das pessoas, a permanecer sozinho.
CL – Ambos nasceram em países com uma história recente muito turbulenta. Com que perspectivas se depara a Igreja Católica no Vietname e no Myanmar?
I.N.G. – O Vietname, como sabe, é um país comunista, mas a Igreja Católica está a crescer no Vietname. Temos liberdade para expressar a nossa fé e as vocações estão a crescer no Vietname. A forma como a Igreja está organizada no Vietname também é bastante boa: há união entre os bispos, os padres e os fiéis. A Igreja no Vietname é muito fiel ao Vaticano
CL – E no caso do Myanmar?
F.N.N – O Governo começa, aos poucos, a reconhecer a presença e o contributo da Igreja Católica. A maior parte da população do Myanmar é budista e oficialmente o País é um país budista. Ser uma minoria, como nós fomos durante todos estes anos, não é necessariamente fácil; o relacionamento com a maioria da população sempre foi muito difícil. Tínhamos de ser muito cuidadosos e muito tolerantes. Ao longo dos últimos anos a Birmânia progrediu de forma muito significativa. Acredito que no futuro a Igreja Católica na Birmânia vai ser testemunha de progressos ainda mais significativos.
Marco Carvalho